Ações Lógicas e Ações Não Lógicas
Eis um homem bem educado que entra num salão; ele tira seu chapéu, pronuncia algumas palavras, faz certos gestos. Se lhe perguntarmos o porquê, não saberá responder senão: é o costume. Ele se comporta da mesma maneira para coisas muito mais importantes. Se é católico e se assiste à missa, fará certos atos “porque assim se deve fazer”. Justificará também um grande número de seus atos dizendo que assim o requer a moral.
Suponhamos, porém, esse mesmo indivíduo em seu escritório, ocupado em comprar uma grande quantidade de trigo. Ele não mais dirá que opera de tal maneira porque este é o costume, mas a compra do trigo será o fim de uma série de raciocínios lógicos que se apoiam sobre certos dados de experiência; mudando-se esses dados, muda-se também a conclusão, e pode acontecer que ele se abstenha de comprar ou ainda que venda o trigo em lugar de comprá-lo.
Podemos, portanto, por abstração, distinguir: as ações não lógicas e as ações lógicas. Dizemos: por abstração, porque nas ações reais os tipos estão quase sempre misturados e uma ação pode ser, em grande parte, não lógica e, em pequena parte, lógica, ou vice-versa.
As ações de um especulador na bolsa, por exemplo, certamente são lógicas; mas elas dependem também, ainda que em pequena medida, do caráter desse indivíduo, tornando-se assim também não lógicas. É um fato conhecido que certos indivíduos jogam mais comumente na alta, e outros na baixa.
Notemos, por outro lado, que não lógica não significa ilógica; uma ação não lógica pode ser o que encontraríamos de melhor, segundo a observação dos fatos e da lógica, para adaptar os meios ao fim; mas essa adaptação foi obtida por um outro procedimento e não por aquele do raciocínio lógico.
Sabe-se, por exemplo, que os alvéolos das abelhas terminam em pirâmide e que com um mínimo de superfície, isto é, com um pequeno gasto de cera, eles conseguem o máximo de volume, ou seja, eles podem conter maior quantidade de mel. Ninguém supõe, no entanto, que isso ocorra porque as abelhas resolveram, pelo emprego do silogismo e das matemáticas, um problema de máximo; trata-se evidentemente de uma ação não lógica, se bem que os meios estejam perfeitamente adaptados ao fim, e que, por consequência, a ação esteja longe de ser ilógica.
Podemos fazer a mesma observação para um grande número de ações humanas, que chamamos habitualmente de instintivas. É preciso acrescentar que o ser humano tem uma tendência muito marcada a apresentar como lógicas as ações não lógicas. É por meio de uma tendência do mesmo gênero que o ser humano anima, personifica certos objetos e fenômenos materiais.
Essas duas tendências se encontram na linguagem corrente que, conservando o traço dos sentimentos que existiam quando foi formada, personifica as coisas e os fatos e os apresenta como resultados de uma vontade lógica.
Essa tendência a apresentar como lógicas as ações não lógicas se atenua e transforma-se na tendência, também errônea, de considerar as relações entre os fenômenos como tendo unicamente a forma de relações de causa e efeito, enquanto as relações que existem entre os fenômenos sociais são muito mais frequentemente ações de mútua dependência.
As leis da linguagem nos fornecem um bom exemplo. A gramática não precedeu, mas seguiu a formação das palavras; no entanto, uma vez estabelecidas, as regras gramaticais deram nascimento a certas formas que vieram a se incorporar às formas existentes.
PARETO, Vilfredo [1909]. Manual de economia política. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996.
Dificuldades da Teorização Sociológica
As dificuldades que se opõem à elaboração de uma teoria sociológica são em parte objetivas e em parte subjetivas. Entre as dificuldades objetivas salientamos estas:
1. Os fenômenos que se relacionam com os sentimentos não podem ser medidos com precisão; não podemos, portanto, recorrer à Estatística, tão útil em Economia Política. A asserção de que certos sentimentos se debilitam ou se reforçam é sempre um pouco arbitrário, e depende um pouco do autor que julga os acontecimentos.
2. Os fenômenos sociológicos são, às vezes, muito mais raros e mais complexos do que os que a Economia Política estuda, e são a resultante de muito mais causas, ou, mais exatamente, estão em relação mútua com um maior número de outros fenômenos.
3. Como eles são, muito frequentemente, não lógicos, não podemos colocá-los em relação recíproca por meio de deduções lógicas, o que podemos fazer em Economia Política. A dificuldade é ainda aumentada pelo fato de que as pessoas têm o hábito de dar motivos lógicos não reais às suas ações.
4. É muito difícil conhecer de maneira precisa os sentimentos de outrem, ou mesmo seus próprios sentimentos; a matéria que deveria servir de fundamento à teoria é sempre um pouco incerta.
Passemos às dificuldades subjetivas:
1. Os autores quase nunca buscam a verdade, eles buscam argumentos para defender o que eles creem, de antemão, ser a verdade, e que é, para eles, um artigo de fé. Pesquisas desse tipo são sempre estéreis, ao menos em parte. Os autores assim procedem não somente porque são, involuntariamente, o joguete de suas paixões, mas fazem-no muitas vezes de forma deliberada e censuram violentamente aqueles que se recusam assim proceder. Essa dificuldade existe também para a Economia Política. A maior parte dos economistas estuda e expõe os fenômenos com a intenção determinada de concluir de certa maneira.
2. São infinitos os preconceitos e as ideias a priori dependentes da religião, da moral, do patriotismo etc., que nos impedem de raciocinar de maneira científica sobre as matérias sociais. Para muitos socialistas, por exemplo, toda infelicidade, pequena ou grande, que pode atingir o ser humano é consequência certa do “capitalismo”.
3. Foi há pouco tempo que se compreendeu finalmente que, para ter uma ideia clara dos fatos de um povo e de uma época dada, era preciso se esforçar, tanto quanto possível, em vê-los com os sentimentos e as ideias de uma pessoa pertencente a esse povo e a essa época. Descobriu-se também que há muitas coisas que, mesmo trazendo o mesmo nome, são essencialmente diferentes, nos lugares e no tempo em que foram observadas.
4. Somente a fé leva, com vigor, as pessoas a agir; porque não é desejável, para o bem da sociedade, que a massa dos indivíduos, ou mesmo muito deles, se ocupem cientificamente das matérias sociais. Existe antagonismo entre as condições da ação e as do saber. E aí está um novo argumento que nos mostra o quanto aqueles que querem, indistintamente, sem discernimento, fazer todo mundo participar do saber, agem com pouca sabedoria. É verdade que o mal que isso poderia acarretar é corrigido, em parte, pelo fato de que isso que eles chamam saber é simplesmente uma forma particular de fé sectária; e seria preciso que nos detivéssemos menos sobre os males que o ceticismo acarreta do que sobre aqueles que resultam dessa fé.
5. O contraste entre as condições da ação e as do saber aparece também porque, para agir, nós nos conformamos com certas regras dos costumes e da moral; não seria realmente possível fazer de outra maneira, porque não teríamos nem tempo nem os meios para buscar as origens em cada caso particular e a partir daí fazer a teoria completa; ao contrário, para conhecer as relações das coisas, para saber, é preciso justamente colocar em discussão esses mesmos princípios.
Por exemplo, onde existe a propriedade privada, existem sentimentos que são feridos por toda violação desse direito e, por tanto tempo quanto se creia necessário mantê-lo, é lógico condenar os atos que se encontram em oposição a esses sentimentos. Estes se tornam, assim, um critério apropriado para decidir o que é bem ou mal nessa sociedade. Eles porém já não podem desempenhar esse papel quando se pergunta se é preciso manter ou destruir a propriedade. Opor-se aos socialistas, como o faziam certos autores da primeira metade do século XIX, dizendo que são malfeitores porque querem destruir a propriedade privada, é, certamente, fazer um círculo vicioso e tomar o acusado por juiz. Cometer-se-ia o mesmo erro se se quisesse julgar o amor livre invocando os sentimentos de castidade, de decência, de pudor.
Numa sociedade organizada de certa maneira, em que existam certos sentimentos A, pode-se, razoavelmente, pensar que uma coisa B contrária a esses sentimentos pode ser prejudicial; desde que a experiência nos ensina que existem sociedades organizadas de maneira diferente, pode existir, em alguma delas, sentimentos C, favoráveis a B, e B pode ser útil à sociedade. Em consequência, quando se propõe estabelecer B para passar da primeira à segunda organização, não se pode mais objetar que B é contrário aos sentimentos A que existem na primeira organização.
6. Para convencer alguém em matéria de ciência, é preciso expor fatos tanto quanto possível certos e colocá-los em relação lógica com as consequências que se quer tirar. Para convencer alguém em matéria de sentimentos, e quase todos os raciocínios que se fazem sobre a sociedade e sobre instituições humanas pertencem a essa categoria, é preciso expor fatos capazes de despertar esses sentimentos, para que estes sugiram a conclusão que se quer tirar. Torna-se claro que esses dois raciocínios são completamente diferentes.
Em muitos povos, o raciocínio sobre as coisas sociais se paralisam no momento em que parece que certos fatos são, ou não, aceitos pelos sentimentos religiosos. Em outras sociedades, esse ponto se encontra no momento em que parece que os fatos concordam ou não com os sentimentos humanitários, e não há preocupação, como se deveria fazer cientificamente, em examinar esses mesmos sentimentos.
O filósofo britânico Herbert Spencer, por exemplo, tem sentimentos absolutamente opostos à guerra; em consequência, quando ele leva seu raciocínio até o ponto em que mostra que certos fatos ferem esses sentimentos, nada mais há a acrescentar para ele, e esses fatos são condenados. Outros autores param no ponto em que podem demonstrar que certa coisa é contrária à “igualdade entre as pessoas” e não lhes ocorre que essa igualdade pode perfeitamente ser contestada.
PARETO, Vilfredo [1909]. Manual de economia política. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996.
Circulação das Elites
A sociedade humana não é homogênea; é constituída por elementos que diferem mais ou menos, não somente segundo características muito evidentes, como sexo, idade, força física, saúde etc., mas também por características menos observáveis, porém não menos importantes, como as qualidades intelectuais, morais, a atividade, a coragem etc.
A afirmação de que as pessoas são objetivamente iguais é de tal maneira absurda que não merece nem ao menos ser refutada. Ao contrário, a ideia subjetiva da igualdade dos indivíduos é um fato de grande importância e que atua poderosamente para determinar as mudanças que a sociedade sofre.
Da mesma maneira que numa sociedade se pode distinguir os ricos e os pobres, se bem que as rendas cresçam insensivelmente da mais baixa à mais alta, pode-se distinguir, numa sociedade, parte aristocrática, a elite, e uma parte vulgar; porém é preciso sempre se lembrar de que se passa insensivelmente de uma para a outra.
A noção dessa elite está subordinada às qualidades que se procura nela. Pode haver uma aristocracia de santos ou uma aristocracia de salteadores, uma aristocracia de sábios, uma aristocracia de ladrões etc. Se se considera esse conjunto de qualidades que favorecem a prosperidade e a dominação de uma classe na sociedade, temos o que chamaremos simplesmente a elite. Essa elite existe em todas as sociedades e as governa, mesmo quando o regime é, em aparência, aquele da mais ampla democracia.
Por uma lei de grande importância, e que é a razão principal de muitos fatos sociais e históricos, essas aristocracias não duram, mas se renovam continuamente. Temos assim um fenômeno que se poderia chamar de circulação das elites.
Suponhamos que exista uma sociedade composta de uma coletividade A que domina, e de uma coletividade B sujeita, as quais são claramente hostis. Elas poderão parecer, uma e outra, o que são realmente. Mas acontecerá com frequência que a parte dominante A quererá parecer agir para o bem comum, porque espera assim diminuir a oposição de B; enquanto a parte sujeita B reivindicará francamente as vantagens que quer obter.
Primeiro, nessa sociedade, entre as duas partes adversas A e B, coloca-se uma parte C, que participa de uma e de outra e que pode se encontrar tanto de um lado como de outro. Em seguida a parte A divide-se em duas: uma, que chamaremos Aa, tem ainda bastante força e energia para defender sua parte de autoridade; outra, que chamaremos Ab, compõe-se de indivíduos degenerados, de inteligência e vontade fracas, humanitários, como se diz hoje.
Do mesmo modo, a parte B divide-se em duas: uma, que chamaremos Ba, constitui a nova aristocracia que nasce. Ela acolhe também os elementos de A que, por cupidez e ambição, traem sua própria classe e se colocam entre os adversários. A outra parte, que chamaremos Bb, compõe-se da massa vulgar que forma a maior parte da sociedade humana.
Objetivamente, a luta consiste unicamente em que os Bb querem tomar o lugar dos Aa; todo o resto é subordinado e acessório. Nessa guerra de chefes, isto é, os Aa e os Ba têm necessidade de soldados, e cada um procura encontrá-los como puder. Os A preocupam-se em fazer crer que trabalham para o bem comum, mas no caso atual é uma arma de dois gumes. Com efeito, se de um lado, isso serve para diminuir a resistência dos Bb, de outro, diminui também a energia dos Ab, que tomam por verdade o que não passa de ficção e não pode ser útil senão como tal.
Com o tempo pode acontecer que os Bb creiam sempre menos na palavra de ordem dos Aa, enquanto os Ab tomam-na cada vez mais como regra de sua conduta real e, nesse caso, o artifício empregado pelos Aa volta-se contra eles e termina por fazer-lhes mais mal do que bem. É o que se pode constatar atualmente em certos países, nas relações entre a burguesia e o povo.
Quanto aos Ba, aparecem como defensores dos Bb e, melhor ainda, como defensores de medidas úteis a todos os cidadãos. De tal maneira que a disputa que, objetivamente, é uma luta pela dominação entre os Aa e os Ba, toma, subjetivamente, a forma de uma luta pela liberdade, justiça, direito, igualdade e outras coisas semelhantes: e é essa forma que a história registra. Para os Ba, as vantagens desse modo de agir são que, notadamente, os Ba atraem não somente os Bb, mas uma parte dos C e também a maior parte dos Ab.
Suponhamos que a nova elite alardeasse clara e simplesmente suas intenções, que são de suplantar a antiga elite; ninguém viria em sua ajuda, ela seria vencida antes de haver se lançado à batalha. Ao contrário, ela tem o ar de nada pedir para si, sabendo bem que, sem pedi-lo adiantadamente, obterá o que quiser como consequência de sua vitória. Ela afirma que faz a guerra somente para obter a igualdade entre os B e os A, em geral.
Graças a essa ficção, conquista o favor, ou, pelo menos, a benevolente neutralidade da parte intermediária C, que não teria consentido em favorecer os fins particulares da nova aristocracia. Em seguida, ela não somente tem consigo a maior parte do povo, mas obtém também o favor da parte degenerada da antiga elite.
É preciso lembrar que essa parte, embora degenerada, é sempre superior ao vulgo: os Ab são superiores aos Bb e têm, além disso, dinheiro necessário para as despesas de guerra. Consta que quase todas as revoluções foram obra, não do vulgo, mas da aristocracia e notadamente da parte desprovida da aristocracia; é o que se vê na história, começando na época de Péricles até a época da primeira revolução francesa; e hoje mesmo vemos que uma parte da burguesia ajuda fortemente o socialismo, cujos chefes, aliás, são burgueses.
Vê-se agora a grande importância subjetiva da concepção da igualdade, importância que não existe do ponto de vista objetivo. Essa concepção é o meio comumente empregado, notadamente em nossos dias, para se desembaraçar de uma aristocracia e substituí-la por outra.
PARETO, Vilfredo [1909]. Manual de economia política. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996.