Riscos
Riscos têm fundamentalmente que ver com antecipação, com destruições que ainda não ocorreram mas que são iminentes, e que, justamente nesse sentido, já são reais hoje.
Não se esgotam, portanto, em efeitos e danos já ocorridos. Neles, exprime-se, sobretudo, um componente futuro. Este baseia-se em parte na extensão futura dos danos atualmente previsíveis e em parte numa perda geral de confiança ou num suposto "amplificador do risco".
Um exemplo a partir do laudo ambiental: o comitê que emite o laudo refere-se ao fato de que as altas concentrações de nitrato decorrentes da fertilização com nitrogênio até o momento infiltrou-se pouco ou sequer chegou a se infiltrar nas camadas profundas dos grandes aquíferos subterrâneos dos quais extraímos nossa água potável. Elas, em grande medida, decompõem-se no subsolo.
Todavia não se sabe ainda como isto ocorre e por quanto tempo ainda ocorrerá. Muitas razões indicam que não se deve, sem mais reservas, projetar no futuro a continuidade do efeito filtrante das camadas protetoras do subsolo. Teme-se que, após alguns anos ou décadas, as atuais eluviações de nitrato, com um retardamento correspondente à vazão, terão alcançado mesmo os lençóis freáticos mais profundos. Em outras palavras: a bomba-relógio está armada.
Nesse sentido, os riscos indicam um futuro que precisa ser evitado. Em oposição à evidência tangível das riquezas, os riscos acabam implicando algo irreal. Num sentido decisivo, eles são simultaneamente reais e irreais. De um lado, muitas ameaças e destruições já são reais: rios poluídos ou mortos, destruição florestal, novas doenças etc. De outro lado, a verdadeira força social do argumento do risco reside nas ameaças projetadas no futuro.
São, nesse caso, riscos que, quando quer que surjam, representam destruições de tal proporção que qualquer ação em resposta a elas se torna impossível e que, já como suposição, como ameaça futura, como prognóstico sincreticamente preventivo, possuem e desenvolvem relevância ativa.
O núcleo da consciência do risco não está no presente, e sim no futuro. Na sociedade de risco, o passado deixa de ter força determinante em relação ao presente. Em seu lugar, entra o futuro, algo todavia inexistente, construído e fictício como "causa" da vivência e da atuação presente.
Tornamo-nos ativos hoje para evitar e mitigar problemas ou crises do amanhã ou do depois de amanhã, para tomar precauções em relação a eles — ou então justamente não.
Em cálculos modelares, afunilamentos "prognosticados" do mercado de trabalho produzem imediatamente um efeito sobre o comportamento educacional: o desemprego antecipado, iminente é um determinante crucial das condições e posturas de vida atuais; a destruição prognosticada do meio ambiente e a ameaça nuclear colocam a sociedade de sobreaviso e conseguem levar amplos setores da geração jovem às ruas.
Na discussão com o futuro, temos portanto de lidar com uma "variável projetada", com uma "causa projetada" da atuação — pessoal e política — presente, cuja relevância e significado crescem em proporção direta à sua incalculabilidade e ao seu teor de ameaça, e que concebemos — temos de conceber — para definir e organizar nossa atuação presente.
BECK, Ulrich [1986]. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Editora 34, 2011.
Sociedade de Risco
Riscos, da maneira como são produzidos no estágio mais avançado do desenvolvimento das forças produtivas — refiro-me, em primeira linha, à radioatividade, que escapa completamente à percepção humana imediata, mas também às toxinas e poluentes presentes no ar, na água e nos alimentos e aos efeitos de curto e longo prazo deles decorrentes sobre plantas, animais e seres humanos —, diferenciam-se claramente das riquezas.
Eles desencadeiam danos sistematicamente definidos, por vezes irreversíveis, permanecem no mais das vezes fundamentalmente invisíveis, baseiam-se em interpretações causais, apresentam-se portanto tão somente no conhecimento — científico ou anticientífico — que se tenha deles, podem ser alterados, diminuídos ou aumentados, dramatizados ou minimizados no âmbito do conhecimento e estão, assim, em certa medida, abertos a processos sociais de definição. Dessa forma, instrumentos e posições da definição dos riscos tornam-se posições-chave em termos sociopolíticos.
Com a distribuição e o incremento dos riscos, surgem situações sociais de ameaça. Estas acompanham, na verdade, em algumas dimensões, a desigualdade de posições de estrato e classe sociais, fazendo valer entretanto uma lógica distributiva substancialmente distinta: os riscos da modernização cedo ou tarde acabam alcançando aqueles que os produziram ou que lucram com eles.
Tampouco os ricos e poderosos estão seguros. Isto não apenas sob a forma de ameaças à saúde, mas também como ameaças à legitimidade, à propriedade e ao lucro: com o reconhecimento social de riscos da modernização estão associadas desvalorizações e desapropriações ecológicas, que incidem múltipla e sistematicamente a contrapelo dos interesses de lucro e propriedade que impulsionam o processo de industrialização.
Ao mesmo tempo, os riscos produzem novos desníveis internacionais, de um lado entre o Terceiro Mundo e os países industriais, de outro lado entre os próprios países industriais. Eles esquivam-se à estrutura de competências do Estado Nacional. Diante da universalidade e da supranacionalidade do fluxo de poluentes, a vida da folha de grama na floresta bávara passa a depender da assinatura e implementação de acordos internacionais.
Ainda assim, a expansão e a mercantilização dos riscos de modo algum rompem com a lógica capitalista de desenvolvimento, antes elevando-a a um novo estágio. Riscos da modernização são grandes negócios. Eles são as necessidades insaciáveis que os economistas sempre procuraram. A fome pode ser saciada, necessidades podem ser satisfeitas, mas os riscos civilizatórios são um barril de necessidades sem fundo, interminável, infinito, autoproduzível.
Com os riscos, a economia torna-se "autorreferencial", independente do ambiente da satisfação das necessidades humanas. Isto significa, porém: com a canibalização econômica dos riscos que são desencadeados através dela, a sociedade industrial produz as situações de ameaça e o potencial político da sociedade de risco.
Riquezas podem ser possuídas; em relação aos riscos, porém, somos afetados; ao mesmo tempo, eles são atribuídos em termos civilizatórios. Dito de forma hiperbólica e esquemática: em situações relativas a classe ou camada social, a consciência é determinada pela existência, enquanto, nas situações de ameaça, é a consciência que determina a existência.
O conhecimento adquire uma nova relevância política. Consequentemente, o potencial político da sociedade de risco tem de se desdobrar e ser analisado numa sociologia e numa teoria do surgimento e da disseminação do conhecimento sobre os riscos.
Riscos socialmente reconhecidos, da maneira como emergem claramente, pela primeira vez, no exemplo das discussões em torno do desmatamento, contêm um peculiar ingrediente político explosivo: aquilo que até há pouco era tido por apolítico torna-se político — o combate às "causas" no próprio processo de industrialização.
Subitamente, a esfera pública e a política passam a reger na intimidade do gerenciamento empresarial — no planejamento de produtos, na equipagem técnica etc. Torna-se exemplarmente claro, nesse caso, do que realmente se trata a disputa definitória em torno dos riscos: não apenas dos problemas de saúde resultantes para a natureza e o ser humano, mas dos efeitos colaterais sociais, econômicos e políticos desses efeitos colaterais: perdas de mercado, depreciação do capital, controles burocráticos das decisões empresariais, abertura de novos mercados, custos astronômicos, procedimentos judiciais, perda de prestígio.
Emerge assim na sociedade de risco, em pequenos e em grandes saltos — em alarmes de níveis intoleráveis de poluição, em casos de acidentes tóxicos etc. —, o potencial político das catástrofes. Sua prevenção e seu manejo podem acabar envolvendo uma reorganização do poder e da responsabilidade. A sociedade de risco é uma sociedade catastrófica. Nela, o estado de exceção ameaça converter-se em normalidade.
BECK, Ulrich [1986]. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Editora 34, 2011.
Desigualdade e Distribuição de Riscos
Tipo, padrão e meios da distribuição de riscos diferenciam-se sistematicamente daqueles da distribuição de riqueza. Isto não anula o fato de que muitos riscos sejam distribuídos de um modo especificado pela camada ou pela classe social.
A história da distribuição de riscos mostra que estes se atém, assim como as riquezas, ao esquema de classe, mas de modo inverso: as riquezas acumulam-se em cima, os riscos em baixo. Assim, os riscos parecem reforçar, e não revogar, a sociedade de classes.
À insuficiência em termos de abastecimento soma-se a insuficiência em termos de segurança e uma profusão de riscos que precisam ser evitados. Em face disto, os ricos — em termos de renda, poder, educação — podem comprar segurança e liberdade em relação ao risco.
Essa "lei" da distribuição de riscos determinada pela classe social e, em decorrência, do aprofundamento dos contrastes de classe através da concentração de riscos entre os pobres e vulneráveis por muito tempo impôs-se, e ainda hoje se impõe, em relação a algumas dimensões centrais do risco: o risco de tornar-se desempregado é atualmente consideravelmente maior para quem não tem qualificações do que para os que são altamente qualificados.
Riscos de sobrecarga, irradiação e contaminação, ligados à execução do trabalho nos correspondentes ramos da indústria, são distribuídos de modo desigual conforme a profissão. São principalmente as vizinhanças mais acessíveis aos grupos de menor renda da população, nas redondezas de centros de produção industrial, que são oneradas no longo prazo por conta de diversos poluentes no ar, na água e no solo.
Com a ameaça da redução da renda, uma maior tolerância pode ser gerada. Nesses casos, não é apenas esse efeito social de filtragem ou amplificação que produz inquietações específicas de classe. Também as possibilidades e capacidades de lidar com situações de risco, de contorná-las ou compensá-las, acabam sendo desigualmente distribuídas entre distintas camadas de renda e educação: quem dispõe do calço financeiro de longo prazo pode tentar contornar os riscos através da escolha do local e da configuração da moradia — ou através de uma segunda moradia, férias etc.
O mesmo vale para a alimentação, a educação e para as correspondentes posturas em relação à comida e à informação. Educação e uma postura sensível à informação abrem novas possibilidades de relacionamento e de esquiva.
Podem-se evitar determinados produtos — por exemplo, fígados de vacas velhas, com altos teores de chumbo — e, por meio de técnicas nutricionais bem informadas, variar o cardápio semanal de tal maneira que os metais pesados presentes no peixe do Mar do Norte sejam diluídos, complementados, relativizados pelos aditivos tóxicos presentes na carne suína e no chá.
Cozinhar e comer convertem-se numa espécie de química alimentar implícita, com pretensão minimalizadora, se bem que conhecimentos bastante sofisticados são necessários para que se consiga, em termos de "tecnologia nutricional", passar a perna por conta própria na superprodução de toxinas e venenos na indústria química e na agricultura.
Mas, ainda assim, é muito provável que, em reação às notícias de contaminação na imprensa e na televisão, surjam hábitos de alimentação e de vida "antiquímicos", distribuídos em relação à camada social. Essa "antiquímica" cotidiana — com frequência trazida aos consumidores propriamente embalada como produto secundário da indústria química — acabará por virar do avesso — e afinal já fez isto — todos os âmbitos do abastecimento — da comida à moradia, da enfermidade ao lazer — em meio às camadas educadas, "conscientes em relação à alimentação" e de maior renda.
Poder-se-ia deduzir a partir disto que, justamente em razão dessa postura refletida e financeiramente lastreada em relação aos riscos, velhas desigualdades sociais são consolidadas num novo patamar. É justamente desse modo, contudo, que não se chegará à base da lógica distributiva dos riscos.
Paralelamente ao aprofundamento das situações de risco, reduzem-se as rotas de fuga e as possibilidades compensatórias de caráter privado, ao mesmo tempo em que se disseminam. A potenciação dos riscos, a impossibilidade de contorná-los, a abstinência política, assim como o anúncio e a venda de possibilidades privadas de escape, implicam-se mutuamente.
É possível que esses dribles privados ainda ajudem em relação a alguns alimentos; mas já no fornecimento de água estão todas as camadas sociais interligadas pelo mesmo encanamento; e basta lançar um olhar às "florestas esqueléticas" dos "idílios campestres", distantes das indústrias, para que fique claro que as barreiras específicas de classe caem também por conta dos teores tóxicos do ar que todos respiramos.
BECK, Ulrich [1986]. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Editora 34, 2011.