Ócio Conspícuo
Para obter e conservar a consideração alheia não é bastante que a pessoa tenha simplesmente riqueza ou poder. É preciso que ela patenteie tal riqueza ou poder aos olhos de todos, porque sem prova patente não lhe dão os outros tal consideração.
Não só serve a prova de riqueza para acentuar a importância do indivíduo aos olhos dos outros, conservando sempre vivo e atento o sentido que têm dela, como também tal prova é igualmente útil na criação e preservação da satisfação própria.
Sempre que forçada a abandonar seu padrão habitual de vida decente, tanto no que toca aos aspectos materiais de sua vida como no que concerne à espécie ou à quantidade de sua atividade diária, a pessoa sente diminuída sua dignidade humana, mesmo independentemente de qualquer consideração consciente da aprovação ou desaprovação de seus companheiros.
Mesmo hoje, persiste com muita de sua antiga força a distinção teórica arcaica entre o que é vil e o que é honorífico no modo de viver do ser humano. Sinal evidente desse fato é a repugnância instintiva pelas formas mais vulgares do trabalho que sentem, com raríssimas exceções, os membros das classes mais altas.
Têm as pessoas ainda hoje um sentido ritualístico de imundícia ligado de modo fortíssimo às ocupações que, nos nossos hábitos de pensamento, têm que ver com trabalhos vis. Sentem todas as pessoas de gosto refinado que uma certa contaminação espiritual é inseparável das tarefas convencionalmente exigidas dos servos.
Condenam-se sem hesitação os ambientes vulgares, as casas ruins — como tal entendidas as casas baratas — e as ocupações produtivas corriqueiras, porque são incompatíveis com uma vida satisfatória num plano espiritual, com uma vida "mental elevada".
Desde os tempos dos filósofos gregos até hoje, reconheceram as pessoas ponderadas, com requisito de uma vida digna, bela ou mesmo virtuosa, que é preciso ter um certo ócio e estar livre de contato com certos processos industriais ligados às necessidades cotidianas da vida humana.
Sem dúvida, em grande parte, esse valor direto e subjetivo do ócio e dos outros sinais de riqueza é secundário e derivado. E em parte um reflexo da utilidade do ócio como um meio para obter o respeito dos outros e, em parte, também o resultado de um processo mental de substituição.
O trabalho sempre foi aceito como o sinal convencional de força inferior e, por isso, considerado, por um processo mental de simplificação, como intrinsecamente vil.
Na vida ociosa, a parte de tempo gasta longe de espectadores só contribui para a respeitabilidade do indivíduo quando produz um resultado concreto e visível, capaz de ser apresentado como prova de ócio, medido e comparado com produtos semelhantes apresentados por outros aspirantes à respeitabilidade.
Isso sempre acontece, com relação a boas maneiras e atitudes, com a simples abstenção constante de qualquer atividade produtiva, mesmo quando o indivíduo não se esforça conscientemente para adquirir a aparência de domínio e de opulência ociosa.
Mais especialmente, parece ser verdade que a vida ociosa, numa família, por várias gerações, produz nos seus componentes um efeito definido, passível de verificação na conformação individual e ainda mais no comportamento e nas atitudes habituais.
Todavia, todas as vantagens de uma vida ociosa de várias gerações e todo o decoro adquirido por longo hábito podem ainda ser melhorados pelo esforço próprio; com todas aquelas vantagens, pode o indivíduo acentuar os sinais de ócio honorífico, exibindo-os como disciplina rigorosa e sistemática.
Claramente, a pessoa, com esforço diligente e gasto pecuniário, pode melhorar substancialmente o seu conhecimento e eficiência nos talentos da classe ociosa. Por outro lado, quanto maior a eficiência do indivíduo na observância de tais talentos e quanto mais patente a estrita observância de atividades sem fins lucrativos ou diretamente úteis, tanto mais tempo e dinheiro são gastos na sua aquisição e maior a respeitabilidade resultante.
Daí, na luta competitiva por boas maneiras, o esforço gasto no cultivo de hábitos de decoro; daí o desenvolvimento de detalhes de decoro numa ampla disciplina, com a qual se devem conformar todos os que querem ser tidos como de irrepreensível respeitabilidade.
Desse modo, acontece que o ócio conspícuo, de que o decoro é uma ramificação, se transforma gradualmente tanto num esforço contínuo por um requinte cada vez maior no comportamento, como numa educação do gosto e da sensibilidade relativamente aos artigos que se devem consumir e aos métodos de seu consumo.
VEBLEN, Thorstein [1899]. A teoria da classe ociosa: um estudo econômico das instituições. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
Consumo Conspícuo
Para a pessoa ociosa, o consumo conspícuo de bens valiosos é um instrumento de respeitabilidade. À medida que acumula riqueza, ela é incapaz, sozinha, de demonstrar a própria opulência dessa forma. Recorre por isso ao auxílio de amigos e rivais, dando-lhes presentes valiosos e convidando-os para festas e divertimentos dispendiosos.
É verdade que as festas e os divertimentos se originaram, provavelmente, no simples sentimento ingênuo de ostentação; bem cedo, todavia, adquiriram aquela utilidade de consumo conspícuo, retendo até hoje esse caráter; assim, essa utilidade há muito é o fundamento substancial do seu uso.
Os divertimentos custosos, tais como o potlatch — festa dada em certas tribos indígenas americanas pelo aspirante à chefia — e o baile, são especialmente próprios para tal fim. O rival, com o qual quer o dono da festa instituir uma comparação de opulência, é usado desse modo como um meio para aquele fim; convidado pelo dono da casa, o rival consome vicariamente por seu anfitrião, servindo, ao mesmo tempo, de testemunha do consumo dos bens valiosos que o anfitrião tem em excesso e não pode consumir sozinho, e presenciando todo seu refinamento social.
Naturalmente, existem outros motivos mais generosos para os divertimentos dispendiosos. O costume de reuniões festivas se originou provavelmente de sentimentos de sociabilidade e religião; tais sentimentos também se encontram mais tarde, mas já não são os únicos sentimentos presentes.
As festas e divertimentos da classe ociosa no seu pleno desenvolvimento continuam provavelmente determinadas, muito ligeiramente, por motivos religiosos, e em grande parte por sentimentos de recreio e consumo; mas elas têm também o fim aludido de comparação quanto ao consumo conspícuo e com não menor eficácia, apesar da base estranha daqueles motivos mais confessáveis.
O efeito econômico de tais amenidades sociais não diminuiu com isso, quer quanto ao consumo vicário de bens, quer quanto à exibição de conhecimentos de etiqueta, difíceis e onerosos. À medida que acumula riqueza, a classe ociosa desenvolve-se em suas funções e em sua estrutura, surgindo dentro de si uma diferenciação; um sistema mais ou menos elaborado de status e posições.
Do exame acerca do crescimento do ócio e do consumo conspícuos, parece que a utilidade de ambos, para fins de boa reputação, repousa no elemento de dispêndio, a ambos comum. Num caso, o dispêndio é de tempo e esforço; no outro, de bens. Ambos são métodos de demonstrar a posse da riqueza, e os dois são convencionalmente aceitos como equivalentes.
A escolha entre eles é questão de simples conveniência publicitária, exceto na medida em que possa ser afetada por outros padrões de propriedade, provenientes de origem diversa. Na base da conveniência, pode-se preferir uma ou outra em diferentes fases de desenvolvimento econômico.
A questão consiste em saber a qual desses dois métodos reagirão com maior eficácia as pessoas cujas convicções se deseja afetar. O uso respondeu a essa questão de diferentes modos em diferentes circunstâncias.
Enquanto a comunidade ou o grupo social são bastante pequenos e bastante compactos para serem eficazmente atingidos apenas pela notoriedade comum — isto é, na medida em que o ambiente humano ao qual o indivíduo é obrigado a se adaptar no tocante à boa reputação se limita à esfera de seus conhecimentos pessoais e do falatório da vizinhança — nessa medida, um método é quase tão eficaz quanto o outro. Ambos, pois, servirão igualmente bem durante os primeiros estágios de desenvolvimento social.
Mas, quando a diferenciação aumenta e se toma necessário atingir um ambiente humano mais vasto, o consumo começa a superar o ócio como meio ordinário de decência. Nessa altura os meios de comunicação e a mobilidade da população expõem o indivíduo à observação de muitas pessoas que não têm outros meios de julgar da sua boa reputação exceto mediante a exibição de bens — e talvez de educação — que ele esteja apto a fazer enquanto estiver exposto à sua observação direta.
VEBLEN, Thorstein [1899]. A teoria da classe ociosa: um estudo econômico das instituições. São Paulo: Abril Cultural, 1983.