Influência Social
O domínio da influência de um ator consiste no conjunto dos outros atores que recebem sua influência. O escopo da sua influência se refere aos assuntos em que tal influência se faz sentir. Assim, ao exercer influência, um ator influencia um certo domínio, composto de outras pessoas, com respeito a um escopo definido de ações ou predisposições.
Podemos calcular a renda total de uma família agregando a renda originada de várias fontes — salário, juros, aluguel recebido, dividendos, etc. Se somarmos a renda total de todas as famílias de uma categoria chegaremos a um valor agregado para aquela categoria.
No caso da influência, porém, já é difícil estimar a influência relativa dentro de um dado escopo e domínio, e não saberíamos como “somar” a influência de vários escopos e domínios, para chegar a um valor representativo da influência agregada.
Qualquer afirmativa sobre a influência que não indicar claramente o domínio e o escopo a que se refere correrá o risco de não ter sentido. Quando ouvimos dizer que “A é muito influente”, vale a pena indagar: “influente sobre que atores, com respeito a que assuntos?”. Muitas vezes os observadores se equivocam porque não formulam esta pergunta essencial.
Assim, estudos pioneiros sobre a questão do poder nas comunidades não deram atenção à possibilidade de que os líderes comunitários pudessem exercer influência em alguns terrenos mas não em outros.
À medida que os investigadores passaram a se preocupar com as diferenças no “escopo” de influência, começaram a perceber que a influência de um líder de comunidade é frequentemente especializada. Uma certa pessoa influencia as decisões a respeito do sistema escolar, mas não sobre o zoneamento urbano, por exemplo.
Se utilizássemos uma medida para avaliar a influência de um ator dentro de determinados escopo e domínio, teríamos sempre o problema de como somar a influência de determinado ator em vários escopos e domínios, para chegar a um valor agregado. Como determinaríamos, por exemplo, se o poder total do presidente é maior do que o do Congresso?
A dificuldade é a seguinte: não parece haver um método objetivo satisfatório para medir os escopos — a política externa, a tributação, o orçamento, a opinião pública, as eleições, etc. A avaliação da importância relativa da influência sobre essas áreas tende a ser arbitrária, ou subjetiva.
Não dispomos, atualmente, de um método ideal para resolver o problema de como comparar atores com diferentes níveis de influência, em diferentes campos. Talvez a lição mais importante que esta dificuldade ensina ao estudante de ciência política é a necessidade de empregar toda cautela, e muita clareza, nas comparações de influência ou poder. A noção formal de influência e os meios de medir o poder nos servem, portanto, como guias para a observação e a análise.
Embora a descrição dos modelos de influência tenha sido durante muito tempo assunto primordialmente de jornalistas e historiadores, nas últimas décadas tivemos o desabrochar de amplos esforços, pelos cientistas políticos, dirigidos ao estudo de sistemas de influência concretos e contemporâneos, especialmente no nível local.
A maioria desses trabalhos focaliza a influência manifesta, mas alguns autores observaram a importância das reações antecipadas no processo eleitoral, e da influência exercida pelos eleitores e contribuintes de campanhas eleitorais sobre as autoridades eleitas.
Recentemente, um desses autores demonstrou que em parte substancial a conduta, os processos e as políticas dos congressistas nos Estados Unidos podem ser explicados adequadamente pelo desejo de reeleição.
Outro especialista demonstrou que as despesas do Governo Federal aumentam geralmente nos anos eleitorais, e mais ainda naqueles em que há eleições para presidente. Estes aumentos não são acidentais; resultam de pressões exercidas pelo presidente em exercício, e pelo partido governista, com o objetivo de criar um clima eleitoral favorável.
DAHL, Robert [1976]. Análise política moderna. Brasília: Editora UnB, 1988.
Influência Política e Conflitos Sociais
Sabemos que uma das características mais comuns dos sistemas políticos é a distribuição desigual da influência. De modo geral, as diferenças no nível de influência exercida pelas pessoas podem ser atribuídas diretamente a três fatores fundamentais:
1) Diferenças na distribuição de recursos políticos. Chamamos de “recurso político” o meio pelo qual uma pessoa pode influenciar o comportamento de outra: dinheiro, informação, alimentos, a ameaça do uso da força, um emprego, a amizade, a situação social, a habilidade legislativa, etc.
2) Variações na eficácia com que os indivíduos usam seus recursos políticos resultantes de diferenças em dotes, oportunidades e incentivos para aprender e praticar métodos de ação política.
3) Variações na amplitude do uso de recursos com objetivos políticos. Por exemplo: entre duas pessoas de igual riqueza, uma pode utilizar seu patrimônio sobretudo para adquirir influência, e outra para ter êxito nos negócios. Estas variações podem ser atribuídas a diferenças de motivação, experiência e qualificação.
O controle sobre os recursos políticos é distribuído desigualmente, por quatro razões:
1) Em toda sociedade há uma certa especialização de funções. A divisão social de trabalho cria diferenças de acesso a distintos recursos políticos. Um ministro das Relações Exteriores e um membro da Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal têm muito mais acesso a informações sobre a política externa do que a maioria dos cidadãos.
2) Devido a diferenças herdadas, nem todas as pessoas começam sua vida com o mesmo acesso a recursos; aqueles que têm um ponto de partida melhor tendem, em geral, a aumentar sua vantagem inicial. Em certa medida os indivíduos e as sociedades são prisioneiros do passado, e nunca começam de uma tábula rasa, social ou biológica. Algumas vantagens são biológicas; muitas outras são sociais — riqueza, status, nível de educação ou aspiração dos pais. Qualquer que seja sua origem, as diferenças nos dotes biológicos e sociais muitas vezes se multiplicam, na vida adulta, em diferenças ainda maiores. Em toda parte as oportunidades educacionais, por exemplo, estão, pelo menos em parte, associadas à riqueza, à situação social ou política dos países.
3) As diferenças em herança biológica e social, juntamente com diferenças de experiência, levam à variação dos objetivos e incentivos dos diferentes indivíduos na sociedade. É impossível para qualquer sociedade proporcionar a todos os seus membros um conjunto idêntico de motivos e de finalidades; as diferenças de motivação levam, por sua vez, a diferenças de qualificação e de recursos — nem todos têm o mesmo impulso para se dedicar à política, para se tornar um líder, para adquirir os recursos que lhes permitam conquistar influência sobre os outros.
4) Finalmente, certas diferenças em incentivos e objetivos são normalmente encorajadas nas sociedades a fim de equipar os indivíduos para trabalhar em diferentes funções. Se todos quisessem ser guerreiros, quem cuidaria dos campos e do gado? O círculo se completa: sempre que a especialização de funções é considerada vantajosa, determinadas diferenças de motivação são vistas também como benéficas. Mas as diferenças de motivação levam, provavelmente, a diferenças em recursos — por exemplo, à maior habilitação bélica dos guerreiros, em comparação com os pastores e agricultores.
Alguns membros do sistema político procuram ganhar influência sobre as políticas, as regras e as decisões governamentais — isto é, influência política. As pessoas usam a influência política que têm não necessariamente por si mesmas, mas porque o controle sobre o governo as ajuda a alcançar alguns dos seus objetivos.
A influência política é distribuída desigualmente entre os membros de um sistema político. O fato de que algumas pessoas têm mais recursos do que outras para influenciar o governo facilita seu objetivo de conseguir tal influência. Por outro lado, as pessoas que têm maior influência sobre o governo podem usar essa influência para obter mais recursos políticos.
Os membros de um sistema político têm objetivos conflitantes, que são abordados, entre outros meios, pelo governo do sistema político. O conflito e o consenso são aspectos importantes e complementares dos sistemas políticos. As pessoas que vivem em comunidade nunca estão de acordo sobre tudo; contudo, se continuam a viver em comum, não podem ter objetivos inteiramente discordantes.
O governo não intervém, necessariamente, cada vez que há um conflito entre os objetivos e as ações de diferentes indivíduos. O conflito é, muitas vezes, abordado mediante meios não políticos — críticas, feitiçaria, linguagem agressiva, ou até mesmo surtos isolados de violência.
Os conflitos são, em grande parte, mediados, arbitrados, suprimidos, resolvidos e tratados de alguma forma por sistemas políticos diferentes do Estado. Sempre que um certo grau de coerção é exigido, além do que é permitido aos outros tipos de “governo” que operam no território do Estado, as autoridades do Estado podem usar o poder maior de que dispõem, devido ao controle exclusivo, pelo governo, das condições em que a violência pode ser empregada legitimamente.
Assim, o governo intervém sempre que o conflito é considerado insolúvel por meios não políticos, ou por outros “governos” que não o do Estado. Nos Estados Unidos, por exemplo, o governo não intervém ordinariamente nas controvérsias trabalhistas, mas quando um conflito prolongado entre sindicatos e patrões, numa indústria importante como a do aço, ameaça prejudicar a economia nacional, o presidente pode intervir.
DAHL, Robert [1976]. Análise política moderna. Brasília: Editora UnB, 1988.
Influência Legítima e Ideologia Política
Num sistema político, os líderes procuram assegurar que as decisões tomadas sejam aceitas amplamente não só por medo da violência, de punição ou coerção, mas também devido à crença de que são moralmente justas e apropriadas, quaisquer que sejam os meios governamentais usados para solucionar os conflitos.
De acordo com um tipo de uso do termo, diz-se que um governo é “legítimo” se o povo acredita que seus atos, procedimentos, decisões, políticas, estruturas, autoridades ou líderes são apropriados, moralmente justos — se têm o direito de promulgar regras obrigatórias.
Num sistema político, os líderes procuram legitimar suas ações. Quando a influência de um líder se reveste de legitimidade, é ordinariamente conhecida como “autoridade". Autoridade, portanto, é um tipo especial de influência — a influência legítima. Num sistema político, os líderes procuram converter sua influência em autoridade.
A autoridade é uma forma muito eficaz de influência. Não é tão confiável e duradoura quanto a coerção pura, mas também faculta aos líderes políticos governar com um mínimo de recursos.
Seria impossível usar o terror, por exemplo, para executar as complexas tarefas de uma extensa organização burocrática moderna como os correios, um exército, um grande hospital, um sistema escolar, um conglomerado de empresas. Seria provavelmente impossível, ou pelo menos muito mais custoso, usar simplesmente prêmios diretos.
Quando os subordinados consideram as ordens e as incumbências que recebem como moralmente obrigatórias, torna-se necessário apenas um dispêndio relativamente pequeno de recursos, sob a forma de salários, para assegurar uma operação satisfatória do sistema.
Num sistema político, os líderes, ordinariamente, esposam um conjunto de doutrinas integradas, mais ou menos persistentes, que tem o objetivo de explicar e justificar sua liderança. Chamamos ordinariamente esses conjuntos de doutrinas de ideologias.
Uma das razões por que os líderes desenvolvem ideologias é óbvia: querem legitimar sua liderança, converter sua influência política em autoridade. Alguns líderes, inclusive as autoridades governamentais de mais alto nível e seus aliados, defendem uma ideologia que justifica não só sua própria liderança mas o próprio sistema político estabelecido. Sua ideologia se torna, assim, oficial, indicando as premissas morais, religiosas, factuais e de outra natureza que justificam o sistema.
Uma ideologia oficial altamente desenvolvida contém normalmente padrões para avaliar a organização, as políticas e os líderes do sistema, e também uma descrição idealizada do modo como o sistema funciona — versão que diminui o hiato entre a realidade e o objetivo prescrito pela ideologia.
A despeito do fato de que uma ideologia dominante ajuda os líderes políticos a adquirir legitimidade, seria irrealista concluir que a existência ou o conteúdo de uma ideologia pode ser explicado inteiramente pelos desejos dos líderes de revestir de legitimidade sua conduta, transformando assim poder em autoridade.
De um lado, o fato de que muitas pessoas que não participam dessa liderança aceitam a ideologia reflete o desejo de ter uma explicação, uma interpretação das experiências e dos objetivos da sociedade, que dê sentido à vida e à posição ocupada pelo indivíduo no universo.
Apesar das aparências, os líderes não podem inventar e manipular arbitrariamente uma ideologia dominante, pois, uma vez aceita amplamente uma ideologia, num sistema político, a liderança também se torna sua prisioneira, correndo o risco de perder legitimidade se violar as normas ideológicas.
Não seria realista, contudo, presumir que uma ideologia dominante é um corpo de crenças uno, consistente, aceito por todos dentro de um sistema político.
Em primeiro lugar, à medida que se desenvolve uma ideologia política claramente reconhecível e articulada, varia enormemente de um sistema político para outro. Muitos sistemas políticos compartilham apenas a ideologia política que empresta legitimidade ao governo e ao Estado. Assim, seria muito mais difícil especificar a ideologia dominante entre os membros de um sindicato, ou de uma grande empresa.
Em segundo lugar, nenhuma ideologia é completamente integrada, ou internamente consistente. As ideologias não são necessariamente estáticas: novas situações criam a necessidade de novos objetivos, ênfases e explicações. Por outro lado, um certo elemento de ambiguidade é, às vezes, vantajoso, precisamente porque permite flexibilidade e mudança.
Em terceiro lugar, as ideologias dominantes provavelmente nunca são aceitas uniformemente por todos os membros do sistema. Muitos deles têm apenas um conhecimento rudimentar da ideologia articulada pelos seus líderes; outros, talvez inadvertidamente, podem ter opiniões privadas que não concordam de todo com os valores ideológicos.
Em quarto lugar, há sempre quem rejeite a ideologia dominante. Alguns membros de um sistema político — comunistas ou fascistas num país democrático; democratas num país autoritário — podem aderir à ideologia rival. Como as pessoas têm objetivos diferentes, os líderes raramente evitam alguma oposição, aberta ou oculta.
Poucos sistemas conseguem apoio geral, de todos os seus membros. Os que se opõem a um regime muitas vezes fazem críticas que negam a legitimidade do sistema existente. É frequente também que os críticos defendam uma alternativa que, ao contrário do sistema existente, consideram legítima.
DAHL, Robert [1976]. Análise política moderna. Brasília: Editora UnB, 1988.