Espaço Social
Expressões como "classes superior e inferior", "ascensão social", "sua posição social é muito elevada", "eles estão muito próximos socialmente", "partidos de direita e de esquerda", "existe uma grande distância social" etc., são comumente utilizadas, tanto nas conversações como nas obras de economia, política e sociologia. Todas essas expressões indicam que existe algo que se poderia denominar de "espaço social".
Em primeiro lugar, espaço social é algo completamente diferente de espaço geométrico. Pessoas próximas uma das outras no espaço geométrico — por exemplo, um rei e seu súdito, um senhor e seu escravo — estão muitas vezes grandemente separadas no espaço social — tal como dois bispos da mesma religião, generais de igual patente de um mesmo exército, situados uns na América, outros na China — podem estar muito próximos no espaço social. Sua posição social é frequentemente a mesma, apesar da grande distância geométrica que os separa.
Uma pessoa pode percorrer milhares de milhas no espaço geométrico sem mudar sua posição no espaço social. Por outro lado, uma pessoa, apesar de permanecer no mesmo lugar geométrico, pode ter sua posição social consideravelmente transformada. Luís XVI e o Czar Nicolau II permaneceram no mesmo espaço geométrico, em Versalhes e em Czarkoie Selo, apesar de suas posições sociais terem variado enormemente.
A fim de definir corretamente espaço social, relembremos que o espaço é usualmente considerado como uma espécie de "universo" onde estão localizados os fenômenos físicos. Obtém-se a localização neste universo através da definição da posição das coisas em relação a outras coisas escolhidas como "pontos de referência".
Assim, descobrir a posição de uma pessoa ou de um fenômeno social no espaço social significa definir suas relações com outra pessoa ou outro fenômeno social escolhido como "ponto de referência".
Uma localização geométrica mais ou menos suficiente requer uma indicação da localização da coisa no conjunto do sistema das coordenadas espaciais do universo geométrico. Pode-se dizer o mesmo no que concerne à "localização social" de uma pessoa.
A indicação da relação de um indivíduo com outro indivíduo fornece-nos algumas informações mais precisas, porém ainda insuficientes. Dados referentes a sua relação com dez ou cem pessoas dão-nos mais conhecimentos que, entretanto, não bastam para localizar a sua posição no conjunto do universo social.
Além disso, este método é muito complexo e dispendioso. Para substituí-lo, a prática social já inventou outro, mais satisfatório e simples, que relembra um pouco o método do sistema das coordenadas utilizadas para a localização de uma coisa no espaço geométrico e que consiste no seguinte: indicação das relações de uma pessoa com um grupo específico, a relação desses grupos entre si dentro da população e a relação desta população com outras existentes no universo humano.
A fim de conhecer a posição social de um indivíduo, o status de sua família, sua cidadania, nacionalidade, religião, ocupação, partido político, status econômico, gênero, raça e muitas outras coisas necessitam ser conhecidas. Somente quando uma pessoa é localizada relativamente a todos estes aspectos é que sua posição social está definitivamente localizada. Porém isso ainda não basta.
Considerando-se que dentro do mesmo grupo existem posições completamente diferentes, por exemplo a de um rei e a de um cidadão comum no interior de um Estado, a posição de um cidadão dentro de cada grupo fundamental da população também deve ser conhecida.
Quando, finalmente, a posição da própria população, como, por exemplo, a dos Estados Unidos, é definida no conjunto do universo humano, então a posição social de um indivíduo pode ser considerada suficientemente definida.
Resumindo: 1) espaço social é o universo da população humana; 2) a posição social do indivíduo é a totalidade de suas relações para com todos os grupos da população e, dentro de cada grupo, para com seus membros; 3) a localização da posição do indivíduo em seu universo social é obtida pela averiguação dessas relações; 4) a totalidade de tais grupos e a totalidade das posições dentro de cada um deles compõem um sistema de coordenadas sociais que nos permite definir a posição social de qualquer indivíduo.
Segue-se daí que os seres humanos, membros dos mesmos grupos sociais e possuidores das mesmas funções no interior desses grupos, possuem idêntica posição social. Pessoas que a este respeito diferem entre si têm posições sociais também diferentes.
Quanto maior for a semelhança das posições desses diferentes indivíduos, maior será a sua proximidade no espaço social. Quanto maior e mais numerosas forem suas diferenças, maior será a distância social entre eles.
SOROKIN, Pitirim. Espaço social, distância social e posição social. In: CARDOSO, Fernando Henrique; IANNI, Octavio. Homem e sociedade. São Paulo: Editora Nacional, 1965.
Mobilidade e Ordem Social
A mobilidade influencia, de maneira muito complexa, a ordem social e a estabilidade. De um lado, seus efeitos sobre a estabilidade social são bastante positivos.
Assim, uma boa distribuição social dos indivíduos favorece a estabilidade. Estando satisfeitos com as funções que preenchem, os indivíduos não pensam em revoltar-se contra a ordem existente.
Além do mais, uma boa distribuição das competências eleva a produção, permite satisfazer às necessidades e diminui, assim, os riscos de desordens sociais.
Pode-se também observar que uma forte mobilidade torna possível a ascensão dos líderes e das pessoas ambiciosas: ao invés de virem a ser chefes de revolução, transformam-se em protetores da ordem social.
Como ficam a dever o bom êxito que alcançaram à sua própria capacidade, estão seguros de seus direitos. Sem nenhuma placabilidade, estão prontos a se defender e a sustentar a ordem vigente. Se necessário, não hesitariam, por exemplo, em utilizar a força.
Além disso, a ausência de privilégios hereditários faz desaparecer um certo número de móveis de descontentamentos: as pessoas que não triunfam não podem queixar-se senão de si mesmas. A mobilidade, de certo modo, é capaz de fazer diminuir a inveja e o ódio entre os grupos sociais.
Pode-se enfim acrescentar que um homem que foi ao mesmo tempo operário e milionário não se sentirá estranho a cada um desses grupos sociais. A mobilidade social parece, assim, favorecer a ordem social.
É possível, sem embargo, encontrar outros argumentos que conduzam a uma conclusão muito diferente. A mobilidade aumenta a desmoralização e põe em perigo hábitos ordinariamente necessários. É também suscetível de romper o caráter íntimo dos liames sociais.
Possível ainda notar que a rigidez de uma sociedade imóvel constitui fator de estabilidade social: sendo a posição dos indivíduos determinada desde antes do nascimento, aceitam eles essa predestinação. No caso de que se trata, o indivíduo não deseja trocar a "caixa" que ocupa no sistema social. Não busca progredir e não se arreceia de ficar atrás na corrida para o bom êxito.
A situação é muito diferente numa sociedade móvel, porque seus membros não têm, absolutamente, nem de um ponto de vista social, nem de um ponto de vista psicológico, aquele sentimento de "predestinação".
Não estão satisfeitos com as funções que desempenham e esforçam-se no sentido de rivalizar, vitoriosamente, uns com outros. Cada qual quer subir os degraus mais depressa que o outro, sem levar em conta a desordem social que disso pode decorrer.
Assim se instala, nesta sociedade móvel, uma luta permanente entre os indivíduos, os grupos e as facções, luta que se torna particularmente perigosa em período de recessão econômica ou de crise social.
SOROKIN, Pitirim [1927]. Mobilidade e ordem social. In: BIRNBAUM, Pierre; CHAZEL, François. Teoria sociológica. São Paulo: Editora da USP, 1977.