Ação Social
O termo "sociologia" está aberto a muitas interpretações diferentes. No contexto usado aqui significará aquela ciência que tem como meta a compreensão interpretativa da ação social de maneira a obter uma explicação de suas causas, de seu curso e dos seus efeitos.
Por "ação" se designará toda a conduta humana, cujos sujeitos vinculem a esta ação um sentido subjetivo. Tal comportamento pode ser mental ou exterior; poderá consistir de ação ou de omissão no agir.
O termo "ação social" será reservado à ação cuja intenção fomentada pelos indivíduos envolvidos se refere à conduta de outros, orientando-se de acordo com ela.
A ação social — incluindo tanto a omissão como aquiescência — pode ser orientada para as ações passadas, presentes ou futuras de outros. Assim, pode ser causada por sentimentos de vingança de males do passado, defesa contra perigos do presente ou contra ataques futuros.
Os "outros'' podem ser indivíduos conhecidos ou desconhecidos, ou podem constituir uma quantidade indefinida. Por exemplo, "dinheiro" é um meio de troca que o indivíduo aceita em pagamento, porque sua ação se orienta na expectativa de que numerosos, mas desconhecidos e indeterminados "outros" o aceitarão por sua vez, em algum tempo no futuro, como um meio de troca.
Nem toda espécie de ação, nem mesmo a ação manifestamente formal, é "social", no sentido da presente discussão. A ação formal é não social se orientada exclusivamente ao comportamento de objetos inanimados.
Atitudes subjetivas devem ser consideradas ação social apenas se orientadas à ação de outros. A conduta religiosa não é social, se permanece simplesmente uma questão de contemplação, de oração solitária etc.
A atividade econômica de um indivíduo apenas é social se e até o ponto em que concerne também à atividade de terceiros. Falando de modo geral, em termos formais, torna-se social apenas até o ponto em que reflete a extensão em que os outros respeitam o controle real de uma pessoa sobre bens econômicos. Mais concretamente, é social se, por exemplo, em relação ao consumo de uma pessoa, as necessidades futuras de outros são levadas em conta e determinam, portanto, a “poupança”' desta pessoa.
Nem todo tipo de contato entre seres humanos tem um caráter social, mas apenas quando a ação do indivíduo é significativamente orientada para a dos outros. Assim, a colisão entre dois ciclistas é apenas um evento isolado, comparável a uma catástrofe natural. Por outro lado, qualquer tentativa de um deles de evitar bater no outro, com os insultos subsequentes, uma briga, ou mesmo uma discussão pacífica, constituiria uma forma de "ação social''.
A ação social também não é idêntica à ação uniforme de muitas pessoas nem à ação influenciada por outras pessoas. Por exemplo, se no começo de uma chuva uma quantidade de pessoas na rua abrir seus guarda-chuvas ao mesmo tempo, tal conduta normalmente não se orienta para a dos outros, pois trata-se simplesmente de uma reação semelhante de todos de protegerem-se contra a chuva.
É possível que um evento em particular ou um modo de ação humana dê lugar a emoções de tipos muito diversos — humor, raiva, entusiasmo, desespero ou paixão — numa situação de multidão, que não aconteceria de modo algum ou de modo tão fácil se o indivíduo estivesse sozinho; isto não precisa constituir necessariamente uma relação significativa entre o comportamento do indivíduo e o fato de que ele é um membro da multidão.
Uma tal ação, resultante apenas do resultado de reações do indivíduo na multidão, não é conduta ''social" no sentido usado aqui, especialmente quando não há orientação desta conduta que se possa considerar adequada no nível do significado.
Tais diferenças são, necessariamente, muito flexíveis. Por exemplo, não apenas o demagogo, mas também a massa que o ouve podem ser afetados em graus variáveis um pela conduta do outro; e um tal relacionamento pode dar lugar a várias interpretações.
WEBER, Max [1922]. Conceitos básicos de sociologia. São Paulo: Centauro, 2008.
Tipos de Ação Social
A ação estritamente tradicional fica inteiramente no limite do que se pode chamar de uma ação com sentido e às vezes até a ultrapassa. Frequentemente é simplesmente uma reação amortecida — quase automática — a estímulos costumeiros que têm conduzido a ação, repetidamente, ao longo de um curso rotineiro.
A maior parte de todos os deveres rotineiros desempenhados habitualmente pelas pessoas todos os dias é deste tipo; consequentemente, não pertence a esta classificação apenas como um caso marginal, mas também porque sua ligação com o costume pode ser mantida com graus variáveis de autoconsciência e numa variedade de sentidos.
A ação estritamente afetiva também fica na linha do que pode ser considerado uma ação consciente de sentido e, com frequência, ultrapassa também a linha; por exemplo, pode ser uma reação desinibida a algum estímulo extraordinário. Ela é determinada pela afetividade, especialmente de modo emocional, como resultado de uma configuração especial de sentimentos e emoções por parte do indivíduo.
A ação afetivamente determinada é a que exige a satisfação imediata de um impulso, não importando quão sublime ou sórdido possa ser, de modo a obter vingança, gratificação sensual, dedicação completa a uma pessoa ou ideal, contemplação feliz, ou finalmente, para liberar tensões emocionais.
A ação em relação a valores distingue-se da ação afetiva por sua formulação consciente dos valores últimos que a governam e sua consistente orientação planejada que se volta a estes valores. Ao mesmo tempo, estes dois tipos compartilham o fato de que o sentido da ação não se resume à obtenção de algum tipo posterior, mas concentra-se no empenho existente no tipo de ação por si próprio.
Exemplos de ação pura em relação a valores estariam na ação de pessoas que, independentemente das consequências, conduzem-se de tal maneira a por em prática suas convicções e o que lhes parece ser exigido pelo dever, honra, beleza, religiosidade, piedade ou pela importância de uma "causa", não importando qual o seu fim.
A ação racional é da espécie orientada a fins quando envolve a devida consideração de fins, meios e efeitos secundários; tal ação também deve considerar atentamente as escolhas alternadas, bem como as relações do fim com outros usos possíveis do meio e, finalmente, a importância relativa de diferentes fins possíveis. Assim, a classificação da ação em termos afetivos ou tradicionais é incompatível com este tipo.
A decisão entre fins e resultados competitivos e conflitantes pode, por sua vez, ser determinada por uma consideração de valores absolutos: neste caso tal conduta é orientada a fins apenas no que diz respeito à escolha dos meios.
Raramente a ação social se orienta apenas de uma ou de outra destas maneiras. E não se constitui, tampouco, uma classificação exaustiva dos tipos de ação ora existentes, pretendendo-se chegar somente a certas formas conceitualmente puras de tipos sociologicamente importantes, dos quais a ação social se aproxima um pouco mais ou pouco menos, ou que mais frequentemente constituem os elementos que se combinam para formar tal ação.
WEBER, Max [1922]. Conceitos básicos de sociologia. São Paulo: Centauro, 2008.
Classe, Estamento e Partido
Em nossa terminologia, “classes” não são comunidades; representam simplesmente bases possíveis, e frequentes, de ação comunal. Podemos falar de uma “classe” quando: certo número de pessoas tem em comum um componente causal específico em suas oportunidades de vida, e na medida em que esse componente é representado exclusivamente pelos interesses econômicos da posse de bens e oportunidades de renda, e é representado sob as condições de mercado de produtos ou mercado de trabalho.
Esses pontos referem-se à “situação de classe”, que podemos expressar mais sucintamente como a oportunidade típica de uma oferta de bens, de condições de vida exteriores e experiências pessoais de vida, e na medida em que essa oportunidade é determinada pelo volume e tipo de poder, ou falta deles, de dispor de bens ou habilidades em benefício de renda de uma determinada ordem econômica.
A palavra “classe” refere-se a qualquer grupo de pessoas que se encontrem na mesma situação de classe. Em contraste com as classes, os grupos de “status” são normalmente comunidades. Com frequência, porém, são do tipo amorfo.
Em contraste com a “situação de classe” determinada apenas por motivos econômicos, desejamos designar como “situação de status” todo componente típico do destino das pessoas, determinado por uma estimativa específica, positiva ou negativa, da honraria. Essa honraria pode estar relacionada com qualquer qualidade partilhada por uma pluralidade de indivíduos e, decerto, pode estar relacionada com uma situação de classe: as distinções de classe estão ligadas, das formas mais variadas, com as distinções de status.
No conteúdo, a honra estamental é expressa normalmente pelo fato de que acima de tudo um estilo de vida específico pode ser esperado de todos os que desejam pertencer ao círculo. Ligadas a essa expectativa existem restrições ao relacionamento “social” — isto é, ao relacionamento que não se prenda a objetivos econômicos ou quaisquer outros objetivos “funcionais” da empresa. Essas restrições podem limitar os casamentos normais ao círculo de status e podem levar a um completo fechamento endogâmico.
Simplificando, poderíamos dizer, assim, que as “classes” se estratificam de acordo com suas relações com a produção e aquisição de bens; ao passo que os “estamentos” se estratificam de acordo com os princípios de seu consumo de bens, representado por “estilos de vida” especiais.
O lugar autêntico das “classes” é no contexto da ordem econômica, ao passo que os estamentos se colocam na ordem social, isto é, dentro da esfera da distribuição de “honras”. Dessas esferas, as classes e os estamentos influenciam-se mutuamente e à ordem jurídica, e são por sua vez influenciados por ela.
Mas os “partidos” vivem sob o signo do “poder”. Em qualquer caso individual, os partidos podem representar interesses determinados através da “situação classista” ou “estamental”, e podem recrutar seus membros de uma ou de outra. Mas não precisam ser partidos exclusivamente de “classe”, nem “estamentais”. Na maioria dos casos, são até certo ponto partidos de classe, e até certo ponto partidos estamentais, mas algumas vezes não são nenhuma das duas coisas. Podem representar estruturas efêmeras ou duradouras.
Seus meios de alcançar o poder podem ser variados, indo desde a violência pura e simples, de qualquer espécie, à cabala de votos através de meios grosseiros ou sutis: dinheiro, influência social, a força da argumentação, sugestão, embustes primários, e assim por diante, até as táticas mais duras ou mais habilidosas de obstrução parlamentar.
No que se relaciona com as “classes, os “estamentos” e os “partidos”, devemos dizer em geral que eles pressupõem, necessariamente”, uma sociedade que os engloba, e especialmente uma ação comunitária política, dentro da qual operam. Mas isto não significa que os partidos sejam confinados pelas fronteiras de qualquer comunidade política. Pelo contrário, em todos os tempos ocorreu habitualmente que eles — mesmo quando visam ao uso da força militar em comum — ultrapassam as fronteiras da comunidade política.
WEBER, Max [1922]. Classe, estamento, partido. In: Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro, LTC Editora, 1982.
Estado, Poder e Dominação
O Estado é uma comunidade humana que pretende, com êxito, o monopólio do uso legítimo da força física dentro de um determinado território. Note-se que território é uma das características do Estado. Especificamente, no momento presente, o direito de usar a força física é atribuído a outras instituições ou pessoas apenas na medida em que o Estado o permite.
O Estado é considerado como a única fonte do “direito” de usar a violência. Daí “política”, para nós, significar a participação no poder ou a luta para influir na distribuição de poder, seja entre Estados ou entre grupos dentro de um Estado.
Quem participa ativamente da política luta pelo poder, quer como um meio de servir a outros objetivos, ideais ou egoístas, quer como o “poder pelo poder”, ou seja, a fim de desfrutar a sensação de prestígio atribuída pelo poder.
Entende-se por poder a oportunidade existente dentro de uma relação social que permite a alguém impor a sua própria vontade mesmo contra a resistência e independentemente da base na qual esta oportunidade se fundamenta.
Como as instituições políticas que o precederam historicamente, o Estado é uma relação de pessoas dominando pessoas, relação mantida por meio da violência legítima — isto é, considerada como legítima. Para que o Estado exista, os dominados devem obedecer à autoridade alegada pelos detentores do poder.
Por dominação entende-se a oportunidade de ter um comando de um dado conteúdo específico, obedecido por um dado grupo de pessoas. Por "disciplina" entender-se-á a oportunidade de obter-se obediência imediata e automática de uma forma previsível de um dado grupo de pessoas, por causa de sua orientação prática ao comando.
Compreende-se que, na realidade, a obediência é determinada pelos motivos bastante fortes do medo e esperança — medo da vingança dos poderes mágicos do detentor do poder, esperança de recompensa neste mundo ou no outro — e, além de tudo isso, pelos mais variados interesses.
Em princípio, há três justificações interiores, e portanto legitimações, básicas do domínio.
Primeira, a autoridade do “ontem eterno”, isto é, dos mores santificados pelo reconhecimento inimaginavelmente antigo e da orientação habitual para o conformismo. É o domínio “tradicional” exercido pelo patriarca e pelo príncipe patrimonial de outrora.
Há a autoridade do dom da graça — carisma — extraordinário e pessoal, a dedicação absolutamente pessoal e a confiança pessoal na revelação, heroísmo ou outras qualidades da liderança individual. É o domínio “carismático”, exercido pelo profeta ou — no campo da política — pelo senhor de guerra eleito, pelo governante plebiscitário, o grande demagogo ou o líder do partido político.
Finalmente, há o domínio em virtude da “legalidade”, em virtude da fé na validade do estatuto legal e da “competência” funcional, baseada em regras racionalmente criadas. Nesse caso, espera-se obediência no cumprimento das obrigações estatutárias. É o domínio exercido pelo moderno “servidor do Estado” e por todos os portadores do poder que, sob esse aspecto, a ele se assemelham.
Ao procurar as legitimações” dessa obediência, encontramos esses três tipos “puros”: “tradicional”, “carismático” e “legal”. Essas concepções de legitimidade e suas justificações íntimas são de grande significação para a estrutura do domínio. Na verdade, os tipos puros raramente se encontram, na realidade. Suas variantes, transições e combinações altamente complexas pertencem à ciência política.
WEBER, Max [1918]. A política como vocação. In: Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro, LTC Editora, 1982.
Racionalismo Econômico
O motivo fundamental da economia moderna como um todo é o “racionalismo econômico”. Entendemos por essa expressão o aumento da produtividade do trabalho, que, pela estruturação do processo produtivo a partir de pontos de vista científicos, eliminou sua dependência dos limites “fisiológicos” da pessoa humana impostos pela natureza.
Esse processo de racionalização no plano da técnica e da economia sem dúvida condiciona também uma parcela importante dos “ideais de vida” da moderna sociedade burguesa: o trabalho com o objetivo de dar forma racional ao provimento dos bens materiais necessários à humanidade é também, não há dúvida, um dos sonhos dos representantes do “espírito capitalista”, uma das balizas orientadoras de seu trabalho na vida.
Basta ler, por exemplo, a descrição feita por Benjamin Franklin dos próprios esforços a serviço dos melhoramentos comunais da Filadélfia para apreender essa verdade palmar. E o júbilo e o orgulho de ter “dado trabalho” a inúmeras pessoas, de ter colaborado para o “florescimento” econômico da cidade natal, no sentido demográfico e mercantil que o capitalismo confere a esse termo — tudo isso faz parte, é claro, daquela alegria de viver que é específica do empresariado moderno e é de um matiz claramente “idealista”.
É uma das qualidades fundamentais da economia privada capitalista ser racionalizada com base no cálculo aritmético rigoroso, ser gerida de forma planejada e sóbria para o almejado sucesso econômico, contrariamente à existência do camponês, o qual leva a vida da mão para a boca, à rotina privilegiada do artesão das antigas corporações e também ao “capitalismo aventureiro”, orientado pelo oportunismo político e pela especulação irracional.
Um dos elementos componentes do espírito capitalista moderno, e não só deste, mas da própria cultura moderna, é a conduta de vida racional fundada na ideia de profissão como vocação, que nasceu do espírito da ascese cristã.
A valorização religiosa do trabalho profissional mundano, sem descanso, continuado, sistemático, como o meio ascético simplesmente supremo e a um só tempo comprovação o mais segura e visível da regeneração de um ser humano e da autenticidade de sua fé, tinha que ser, no fim das contas, a alavanca mais poderosa que se pode imaginar da expansão dessa concepção de vida que aqui temos chamado de “espírito” do capitalismo.
A ascese protestante intramundana agiu dessa forma, com toda a veemência, contra o gozo descontraído das posses; estrangulou o consumo, especialmente o consumo de luxo. Em compensação, teve o efeito psicológico de liberar o enriquecimento dos entraves da ética tradicionalista, rompeu as cadeias que cerceavam a ambição de lucro, não só ao legalizá-lo, mas também ao encará-lo como diretamente querido por Deus.
A luta contra a concupiscência da carne e o apego aos bens exteriores não era uma luta contra o ganho racional, mas contra o uso irracional das posses. Ao confrontar o estrangulamento do consumo com a desobstrução da ambição de lucro, o resultado externo é evidente: acumulação de capital mediante coerção ascética à poupança. Os obstáculos que agora se colocavam contra empregar em consumo o ganho obtido acabaram por favorecer seu emprego produtivo: o investimento de capital.
A ascese religiosa, ao se transferir das celas dos mosteiros para a vida profissional, passou a dominar a moralidade intramundana e assim contribuiu, com sua parte, para edificar esse poderoso cosmos da ordem econômica moderna ligado aos pressupostos técnicos e econômicos da produção pela máquina, que hoje determina com pressão avassaladora o estilo de vida de todos os indivíduos que nascem dentro dessa engrenagem.
WEBER, Max [1905]. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.