Relativismo Cultural
O relativismo cultural é, antes de mais nada e sobretudo, um procedimento antropológico interpretativo — ou seja, metodológico.
Ele não consiste no argumento moral de que qualquer cultura ou costume é tão bom quanto qualquer outro, se não melhor.
O relativismo é simples prescrição de que, para que possam tornar-se inteligíveis, as práticas e ideais de outras pessoas devem ser ressituadas em seus contextos históricos, e compreendidas como valores posicionais no campo de suas próprias relações culturais, antes de serem submetidas a juízos morais e categóricos de nossa própria lavra.
A relatividade é a suspensão provisória dos próprios juízos de modo a situar as práticas em pauta na ordem cultural e histórica que as tornou possíveis.
SAHLINS, Marshall [1993]. Esperando Foucault, ainda. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.
Cultura e Hábito Alimentar
O objetivo destes comentários sobre os usos americanos de animais domésticos comuns será modesto: simplesmente para sugerir a presença de uma razão cultural em nossos hábitos alimentares, algumas das conexões significativas nas distinções categóricas de comestibilidade entre cavalos, cachorros, porcos e bois.
Entretanto, o ponto principal não é somente de interesse do consumo. A relação produtiva da sociedade americana com seu próprio meio ambiente e com o do mundo é estabelecida por avaliações específicas de comestibilidade e não comestibilidade, elas mesmas qualitativas e de maneira alguma justificáveis por vantagens biológicas, ecológicas ou econômicas. As consequências funcionais estendem-se desde a "adaptação" da agricultura até o comércio internacional e as relações políticas mundiais.
A exploração do meio ambiente americano, a forma de relação com a terra dependem do modelo de uma refeição que inclui a carne como elemento central com o apoio periférico de carboidratos e legumes — enquanto que a centralidade da carne, que é também a indicação de sua "força", evoca o pólo masculino de um código sexual da comida o qual deve originar-se na identificação indo-europeia do boi ou da riqueza crescente com a virilidade. A razão principal postulada no sistema americano da carne é a relação das espécies com a sociedade humana.
Vamos examinar mais detalhadamente a série dos domésticos: bois-porcos-cavalos-cachorros. Todos estão, em alguma medida, integrados à sociedade americana, mas claramente com status diferentes, os quais correspondem aos graus de comestibilidade.
A série é divisível, primeiro nas duas classes de comestíveis — bois-porcos — e não-comestíveis — cavalos-cachorros —, e, dentro de cada classe, entre categorias de carne mais e menos preferidas — bovina versus suína — e categorias mais e menos rigorosas de tabu — cachorros versus cavalos.
A diferenciação parece estar na participação como sujeito ou objeto quando em companhia do ser humano. Além disso, a mesma lógica também diferencia os animais comestíveis em "carne" e os "órgãos" internos ou "vísceras".
Adotando as palavras mágicas convencionais do estruturalismo, "tudo acontece como se" o sistema de alimento fosse todo flexionado por um princípio de metonímia, de tal forma que, tomado como um todo, compõe uma constante metáfora do canibalismo.
Cachorros e cavalos participam da sociedade americana na condição de sujeitos. Têm nomes próprios e realmente temos o hábito de conversar com eles, assim como não conversamos com porcos e bois. Como coabitantes domésticos, os cachorros são mais próximos do ser humano do que os cavalos, e seu consumo, portanto, é mais inimaginável: eles são "um membro da família".
Um índio tradicional das planícies ou um havaiano — sem mencionar um hindu — ficaria desconcertado em ver como nós permitimos que os cachorros se reproduzam com tão severas restrições ao seu consumo. Eles vagam pelas ruas das maiores cidades americanas levando seus donos pela guia e depositando excrementos nas calçadas a seu bel-prazer. Todo um sistema de métodos de limpeza teve que ser utilizado para se desfazer da sujeira — a qual, no pensamento nativo, apesar do respeito que os cachorros merecem, é considerada "poluição".
Dentro das casas e apartamentos, os cães sobem nas cadeiras que foram feitas para seres humanos, dormem nas camas de pessoas, e sentam-se à mesa como bem querem à espera de sua porção da refeição da família. Tudo isso com a calma certeza de que nunca serão sacrificados por necessidade ou como oferta às divindades, nem mesmo comidos em caso de morte acidental.
Tradicionalmente, os cavalos têm, com as pessoas, uma relação mais de trabalho e mais servil; se os cachorros são como se fossem aparentados, os cavalos são como empregados e não aparentados. Daí o consumo de cavalos ser pelo menos concebível, embora não generalizado, enquanto que a noção de comer cachorros compreensivelmente evoca repulsa.
A comestibilidade está inversamente relacionada com a humanidade. O mesmo se aplica às preferências e designações mais comuns das partes comestíveis do animal. O valor social do filé ou alcatra, comparado com o da tripa ou língua, é o que estabelece a diferença em seu valor econômico.
SAHLINS, Marshall [1976]. Cultura e razão prática. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 1979.
Resistência e Apropriação Cultural
O que se segue não deve ser tomado como um otimismo sentimental, que ignoraria a agonia de povos inteiros, causada pela doença, violência, escravidão, expulsão do território tradicional e outras misérias que a "civilização" ocidental disseminou pelo planeta.
Trata-se aqui, ao contrário, de uma reflexão sobre a complexidade desses sofrimentos, sobretudo no caso daquelas sociedades que souberam extrair, de uma sorte madrasta, suas presentes condições de existência.
Numerosos estudos etnográficos de safra mais recente descrevem a utilização das mercadorias e das relações estrangeiras no desenvolvimento das culturas indígenas.
Não obstante, devido a uma certa heteronomia, que inclui a presença ativa de forças globais irresistíveis, a variedade das respostas locais muito frequentemente se vê dissolvida pelo pessimismo sentimental em uma aculturação universal. Refiro-me ao constrangedor temor reverencial que os antropólogos notoriamente manifestam diante dos poderes culturais do "Bicho-Papão capitalista".
Em um curioso paradoxo pós-modernista, a Grande Narrativa do Sistema Mundial se torna o último refúgio da noção de cultura enquanto ordem monológica e determinista.
Os povos indígenas que parecem contestá-la estariam na realidade se iludindo a si mesmos, ao passo que os antropólogos que dão crédito à autenticidade cultural da aparente resistência fariam desse engano uma enganação: na melhor das hipóteses, estariam se furtando a encarar a questão da dominação ocidental global; na pior, estariam promovendo tal dominação.
Mas os antropólogos que criticam a hegemonia do Sistema Mundial não são os únicos descobridores da "resistência cultural" indígena. Esperanças em algo desse gênero estão entre as exigências morais e políticas da própria teoria da dependência, sendo parte do mesmo impulso interpretativo.
Dessa forma, a Grande Narrativa da dominação ocidental raramente atinge seu desfecho totalizante, uma vez que aqueles que a relatam também são capazes de subvertê-la invocando discursos sobre a liberdade cultural.
Alternando visões de aculturação e esperanças de redenção, a antropologia da hegemonia parece não saber bem o que pensar. Assim, diferenças culturais que a força do Sistema Mundial expulsou pela porta da frente retornam, sorrateiramente, pela porta dos fundos, na forma de uma "contracultura indígena", um "espírito de rebelião", ou algum retorno do oprimido do mesmo tipo.
Um dos combates políticos mais interessantes que se vêm travando no Terceiro Mundo é a tentativa, por parte tanto da esquerda como da direita, de capturar os movimentos culturais indígenas em nome de princípios abstratos como a luta de classes, o anti-imperialismo, a integridade nacional ou coisa do gênero. A isso também os povos têm resistido.
Ao invés da Grande Narrativa da dominação ocidental, portanto, um outro modo de lidar com a constatação antropológica usual de que os outros povos não são tão facilmente deculturados seria reconhecer o desenvolvimento simultâneo de uma integração global e de uma diferenciação local.
Temos razões para ser céticos, portanto, diante de noções simplistas de "aculturação", concebida como uma consequência funcional necessária do envolvimento na economia de mercado. Dentro do ecúmeno global, existem muitas formas novas de vida: formas sincréticas, translocais, multiculturais e neotradicionais, em grande parte desconhecidas de uma antropologia demasiadamente tradicional.
Em lugar de celebrar — ou lamentar — a morte da "cultura", portanto, a antropologia deveria aproveitar a oportunidade para se renovar, descobrindo padrões inéditos de cultura humana. A história dos últimos três ou quatro séculos, em que se formaram outros modos de vida humanos, toda uma outra diversidade cultural, abre-nos uma perspectiva quase equivalente à descoberta de vida em outro planeta.
Tudo que se pode hoje concluir a respeito disso é que não conhecemos a priori, e evidentemente não devemos subestimar, o poder que os povos indígenas têm de integrar culturalmente as forças irresistíveis do Sistema Mundial. Portanto, não basta assumir atitudes de denúncia em relação à hegemonia. Os antropólogos sempre terão, além disso, que dar testemunho da cultura.
SAHLINS, Marshall [1997]. O "pessimismo sentimental" e a experiência etnográfica: por que a cultura não é um "objeto" em via de extinção (parte I). Rio de Janeiro: Mana, v. 3, n. 1, abril 1997.