Ação Coletiva
Geralmente se deduz que se os membros de um determinado grupo têm um interesse ou objetivo comum, e se todos eles ficariam em melhor situação se esse objetivo fosse atingido, logicamente os indivíduos desse grupo irão, se forem pessoas racionais e centradas nos próprios interesses, agir para atingir esse objetivo.
Na verdade, a menos que o número de indivíduos do grupo seja realmente pequeno, ou a menos que haja coerção ou algum outro dispositivo especial que faça os indivíduos agirem em interesse próprio, os indivíduos racionais e centrados nos próprios interesses não agirão para promover seus interesses comuns ou grupais.
Em outras palavras, mesmo que todos os indivíduos de um grupo grande sejam racionais e centrados nos próprios interesses, e que saiam ganhando se, como grupo, agirem para atingir seus objetivos comuns, ainda assim eles não agirão voluntariamente para promover esses interesses comuns ou grupais.
A noção de que os grupos de indivíduos sempre agirão para promover seus interesses comuns ou grupais, longe de ser uma extensão lógica da premissa de que os indivíduos de um grupo irão racionalmente promover seus interesses individuais, é na verdade incoerente com essa mesma premissa.
Mesmo que os membros de um grande grupo almejem racionalmente uma maximização do seu bem-estar pessoal, eles não agirão para atingir seus objetivos comuns ou grupais a menos que haja alguma coerção para forçá-los a tanto, ou a menos que algum incentivo à parte, diferente da realização do objetivo comum ou grupal, seja oferecido aos membros do grupo individualmente com a condição de que eles ajudem a arcar com os custos ou ônus envolvidos na consecução desses objetivos grupais.
Nem irão tais grupos de grande porte formar organizações para promover seus objetivos comuns na ausência da coerção ou incentivos independentes.
Essas afirmações permanecem válidas mesmo para situações em que há acordo unânime dentro do grupo a respeito do bem comum e dos métodos para obtê-lo.
A noção amplamente difundida, presente em todas as ciências sociais, de que os grupos tendem a promover seus interesses é, portanto, injustificável, pelo menos quando se baseia, como geralmente ocorre, na pressuposição, às vezes implícita, de que os grupos agem em interesse próprio porque os indivíduos também o fazem.
Há, paradoxalmente, a possibilidade lógica de que grupos compostos ou de indivíduos altruístas ou de indivíduos irracionais possam por vezes agir em prol de interesses comuns ou grupais. Mas essa possibilidade lógica geralmente não tem a menor importância prática.
Nas discussões a respeito da coesão de grupos ou organizações, frequentemente se supõe, embora quase sempre de forma implícita, que, na verdade, o ponto crucial é o grau de consenso. Se houver muitos desacordos sérios, não haverá esforço coordenado e voluntário, mas se houver um alto grau de concordância a respeito do que se quer e da forma de obtê-lo é quase certo que haverá ação grupal eficiente. Às vezes o grau de consenso é discutido como se fosse o único fator determinante de relevo no que se refere à ação ou coesão grupal.
Claro que não resta dúvida de que uma falta de consenso é adversa a quaisquer perspectivas de ação e coesão grupal. Mas disso não se segue que um consenso perfeito, tanto no que se refere ao desejo pelo benefício coletivo quanto aos meios mais eficientes de obtê-lo, sempre trará a consecução do objetivo grupal.
No caso de um grupo grande e latente, não haverá nenhuma tendência a que o grupo se organize para atingir seus objetivos através da ação voluntária e racional dos membros do grupo, mesmo que haja consenso perfeito. Trata-se, sem dúvida, de uma pressuposição não realista, dado que a perfeição de consenso, como de outras coisas, é na melhor das hipóteses muito rara.
Mas os resultados obtidos à luz dessa pressuposição são, por isso mesmo, muito mais sólidos porque, se mesmo com consenso perfeito a ação racional e voluntária não habilita um grupo grande e latente a se organizar para atingir suas metas coletivas, então essa conclusão deve se sustentar no mundo real, onde o consenso é geralmente incompleto e com frequência está absolutamente ausente.
É, portanto, muito importante distinguir entre os obstáculos à ação grupal que se devem a uma falta de consenso no grupo e os que se devem a uma falta de incentivos individuais. E vale ressaltar que nenhuma das asserções acima se aplica integralmente a grupos pequenos, pois em tais grupos o quadro é muito mais complexo.
OLSON, Mancur [1965]. A lógica da ação coletiva: os benefícios públicos e uma teoria dos grupos sociais. São Paulo: Edusp, 1999.
Incentivos Sociais à Ação Coletiva
A maior eficiência dos grupos relativamente pequenos fica evidente tanto pela experiência e pela observação quanto pela teoria.
Considere-se, por exemplo, uma reunião que envolva muitas pessoas, que por isso mesmo não conseguem tomar decisões rápidas ou suficientemente cautelosas.
Todos gostariam que a reunião terminasse depressa, mas poucos estarão dispostos, se alguém estiver, a abrir mão de seus interesses para que isso ocorra. E, embora presumivelmente todos os participantes da reunião tenham um interesse em que sejam tomadas decisões seguras e confiáveis, com muita frequência isso não ocorre.
Quando o número de participante é grande, o participante típico tem consciência de que seus esforços individuais provavelmente não influenciarão muito no resultado final e de que ele será afetado da mesma maneira pelas decisões da reunião tanto se se aplicar muito quanto se se aplicar pouco no estudo do assunto em pauta. Assim, o participante típico pode não se dar ao trabalho de estudar tão cuidadosamente o assunto da reunião quanto o estudaria se pudesse tomar as decisões sozinho.
As decisões da reunião são, portanto, benefícios públicos para os que dela participam — e talvez também para outras pessoas —, e a contribuição de cada participante para a obtenção ou melhoria desses benefícios públicos diminuirá quanto maior for o número de participantes da reunião.
É por essas razões, entre outras, que as organizações recorrem com tanta frequência ao pequeno grupo: comitês, subcomitês e pequenos grupos de liderança são criados — e, uma vez criados, eles tendem a desempenhar um papel crucial.
Num grupo grande, via de regra, um indivíduo não se verá afetado socialmente se não fizer os sacrifícios que lhe couberem em favor da realização das metas coletivas. Em geral, a “pressão social” funciona somente em grupos de tamanho menor, em grupos pequenos o bastante para que cada membro possa ter um contato face a face com todos os demais.
Os incentivos econômicos não são, com certeza, os únicos incentivos possíveis. As pessoas algumas vezes sentem-se motivadas também por um desejo de prestígio, respeito, amizade e outros objetivos de fundo social e psicológico.
Se os membros de um pequeno grupo de pessoas que tivesse um interesse em um benefício coletivo fossem também amigos pessoais, ou pertencessem ao mesmo clube social, e alguns membros do grupo pusessem o ônus de prover esse benefício coletivo nas costas dos outros, eles poderiam, mesmo que ganhassem algo economicamente com esse tipo de conduta, perder socialmente com ela, e a perda social poderia pesar mais na balança do que o ganho econômico.
Seus amigos poderiam empregar a pressão social para levá-los a cumprir parte no processo de consecução da meta grupal, sob a ameaça de exclusão do clube social caso não a cumprissem. Esses recursos podem ser eficientes, já que a observação cotidiana mostra que a maioria das pessoas valoriza a companhia de seus amigos e colegas e zela pelo seu status social, prestígio pessoal e autoestima.
É da própria natureza dos incentivos sociais sua faculdade de distinguir entre os indivíduos: o indivíduo recalcitrante pode ser colocado no ostracismo, e o que colabora pode ser convidado para o centro do círculo privilegiado.
Vale destacar que status social e aceitação social são benefícios individuais, não coletivos. Sanções e recompensas sociais são “incentivos seletivos”, isto é, são incentivos do tipo que pode ser utilizado para mobilizar um grupo latente.
Em suma, os incentivos sociais são importantes principalmente no pequeno grupo e só desempenham um papel de certa importância no grande grupo quando este é subdividido em uma série de pequenos grupos, cada um dos quais com suas razões para se unir aos outros em uma federação que represente o grande grupo como um todo.
Se a organização central ou federativa prover algum serviço para as pequenas organizações constituintes, estas poderão ser induzidas a utilizar seus incentivos sociais para fazer com que os membros de cada pequeno grupo contribuam para a consecução das metas coletivas do todo grupal.
OLSON, Mancur [1965]. A lógica da ação coletiva: os benefícios públicos e uma teoria dos grupos sociais. São Paulo: Edusp, 1999.