Mecanismos Causais
As ciências sociais, como as outras ciências empíricas, tentam explicar dois tipos de fenômenos: eventos e fatos. A eleição de George Bush como presidente é um evento. A presença de uma maioria de votantes republicanos no eleitorado é um fato, ou um estado de coisas.
Não é imediatamente óbvio o que é mais fundamental, eventos ou fatos.
Poder-se-ia, bastante plausivelmente, explicar a maioria republicana como sendo o resultado de uma série de eventos, cada um dos quais assumiu o caráter de formação de crença por um eleitor individual.
A segunda perspectiva é mais fundamental: explicar eventos é logicamente anterior a explicar fatos.
Um fato é um instantâneo temporal de uma torrente de eventos, ou uma pilha de tais instantâneos. Nas ciências sociais, os eventos elementares são ações humanas individuais, incluindo atos mentais tais como formação de crença.
Explicar um evento é fazer um relato de por que o mesmo aconteceu. Geralmente, e sempre em última análise, isso assume a forma de citar um evento prévio como a causa do evento que desejamos explicar, junto com algum relato do mecanismo causal que conecta os dois eventos.
Aqui está um exemplo simples, paradigmático. Queremos saber por que alguém mudou de ideia a respeito de um emprego que previamente considerava muito desejável, mas agora acha totalmente desprovido de interesse.
A explicação tem dois elementos. Primeiro, antes de mudar de ideia ele descobriu que não tinha chances de obter o emprego. Segundo, há um mecanismo causal, com frequência referido como redução de dissonância cognitiva, que faz as pessoas cessarem de desejar o que não podem obter.
Um evento mais complexo poderia ser uma queda na média de manutenção de emprego. O evento prévio teria sido a legislação destinada a aperfeiçoar a estabilidade no emprego através da determinação de que os empregadores assegurassem a estabilidade no emprego a todos que tenham estado empregados por, digamos, dois anos.
O mecanismo causal é a adaptação racional à legislação pelos empregadores, que descobrem ser de seu interesse demitir trabalhadores justamente antes do expiramento do período de dois anos.
Proposições que pretendem explicar um evento devem ser cuidadosamente distinguidas de diversos outros tipos de proposições.
Primeiro, explicações causais devem ser distinguidas de proposições causais verdadeiras.
Citar a causa não é suficiente: o mecanismo causal também deve ser proporcionado, ou ao menos sugerido. Na linguagem cotidiana, na maioria dos escritos históricos e em muitas análises sociais científicas, o mecanismo não é explicitamente citado. Ao invés, é sugerido pelo modo pelo qual a causa é descrita.
Qualquer evento dado pode ser descrito de muitos modos. Em explicações narrativas pressupõe-se tacitamente que apenas aspectos causalmente relevantes do evento são usados para identificá-los.
Segundo, as explicações causais devem ser distinguidas de afirmações sobre correlação.
Às vezes estamos em posição de dizer que um evento de certo tipo é invariavelmente ou usualmente seguido por um evento de outra espécie. Isso não nos permite dizer que eventos do primeiro tipo causam eventos do segundo, porque há outra possibilidade: os dois poderiam ser efeitos comuns de um terceiro evento.
Terceiro, explicações causais devem ser distinguidas de afirmações sobre necessitação.
Explicar um evento é fazer um relato de por que este aconteceu como aconteceu. O fato de que poderia ter acontecido de alguma outra maneira, e teria acontecido de alguma outra maneira se não tivesse acontecido como aconteceu, não está aqui nem ali.
O filósofo alemão Carl Hempel diz que a explicação é a dedução lógica do evento a ser explicado, com leis gerais e colocações de condições iniciais como premissas.
Uma objeção é que as leis gerais poderiam refletir correlação, não causalidade. Outra é que as leis, mesmo que genuinamente causais, poderiam ser substituídas por outros mecanismos. E por isso que aqui coloquei a ênfase em mecanismos, e não em leis.
Um mecanismo causal tem um número finito de elos. Cada elo terá que ser descrito por uma lei geral, e nesse sentido por uma "caixa preta" sobre cujas engrenagens e polias permanecemos ignorantes.
No entanto, para propósitos práticos — os propósitos do cientista social atuante — o lugar da ênfase é importante. Ao concentrar-nos em mecanismos captamos o aspecto dinâmico da explicação científica: o impulso de produzir explicações cada vez mais refinadas.
Quarto, as explicações causais devem ser distinguidas do contar histórias.
Uma explicação genuína dá conta do que aconteceu, como aconteceu. Contar uma história é dar conta do que aconteceu como poderia ter acontecido — e talvez tenha acontecido.
Acabo de argumentar que as explicações genuínas diferem de relatos do que tinha que acontecer. Estou dizendo agora que também diferem de relatos do que pode ter acontecido.
Finalmente, explicações causais devem ser distinguidas de predições. Às vezes podemos explicar sem sermos capazes de predizer, e às vezes predizer sem sermos capazes de explicar.
É verdade, em muitos casos uma só e mesma teoria irá capacitar-nos a ambas as coisas, mas acredito que nas ciências sociais isso é mais a exceção que a regra.
ELSTER, Jon [1989]. Peças e engrenagens das ciências sociais. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.
Escolha Racional
A escolha racional é instrumental: é guiada pelo resultado da ação. As ações são avaliadas e escolhidas não por elas mesmas, mas como meios mais ou menos eficientes para um fim ulterior.
Um exemplo simples é o empreendedor que deseja maximizar o lucro. Para alcançar essa finalidade, ele considera cuidadosamente que produtos oferecer, quantos deles produzir e como produzi-los.
Um exemplo mais complexo é o general a quem foi ordenado derrotar o exército inimigo a qualquer custo para si próprio. Antes que possa distribuir os seus soldados, ele precisa formar uma opinião sobre os planos inimigos. Adicionalmente, deve tomar medidas para dar ao inimigo uma ideia errada sobre os seus próprios planos.
Uma vez que sabe que os generais inimigos estão cientes desses cálculos e, com efeito, estão realizando eles mesmos um raciocínio similar, deve tentar adivinhar corretamente suas intenções e vencê-los em esperteza.
Um exemplo mais polêmico é o do ator que está experimentando diferentes maneiras de desempenhar uma cena até que "acerta na mosca". Ele está considerando meios alternativos visando o mesmo fim, a criação de um trabalho que tenha valor estético, rejeitando a maioria deles e finalmente aceitando um.
A escolha racional busca encontrar os melhores meios para fins dados. É um modo de adaptar-se otimamente às circunstâncias.
A escolha racional não é um mecanismo infalível, uma vez que a pessoa racional pode escolher apenas o que acredita ser o melhor meio. Essa crença bem pode ser errônea. A pessoa pode deixar escapar algumas oportunidades ou tropeçar por engano.
Não apenas errar é humano, pode ser mesmo racional fazê-lo, se acontecer de todos os indícios apontarem na direção errada. A verdade é uma relação entre uma crença e aquilo sobre o que é a crença.
Em princípio todas as crenças factuais são uma questão de probabilidades. Para todos os fins práticos, posso contar com não ser atingido por um meteoro enquanto escrevo este texto, e no entanto existe uma pequena chance de que isso aconteça.
Em muitas situações de escolha as probabilidades devem ser consideradas muito seriamente. Ao escolher entre plantios, os agricultores devem considerar a possibilidade de geada precoce no outono, de escassez de chuva na primavera e excesso no verão. Com frequência eles garantem seus palpites escolhendo um cultivo que lhes resulte razoavelmente bem independentemente do tempo.
A teoria da tomada de decisões sob risco aconselha as pessoas a maximizarem a utilidade esperada. Em casos como o que acabo de discutir, isso significa o mesmo que a média de utilidade alcançada em muitos períodos, ao longo do tempo.
A teoria foi estendida, entretanto, para cobrir situações de escolha que não se repetem dia após dia ou ano após ano. Nesse caso o tomador da decisão é solicitado a apoiar-se em suas "probabilidades subjetivas" ou, em linguagem menos solene, em seus palpites informados.
A utilidade de cada resultado possível de uma ação é ponderada pela probabilidade estimada desse resultado, para produzir a utilidade esperada da ação.
Em suma, a teoria da escolha racional tem o objetivo de explicar o comportamento humano. Para isso deve, em qualquer caso, proceder em dois passos. O primeiro passo é determinar o que uma pessoa racional faria nas circunstâncias. O segundo passo é verificar se isso é o que a pessoa realmente fez. Se a pessoa fez o que a teoria predisse que faria, o caso pode ser acrescentado à relação de seus créditos.
Similarmente, a teoria pode falhar em cada um dos dois passos. Primeiro, pode falhar em produzir determinadas predições. Segundo, as pessoas podem não se ajustar às suas predições — podem comportar-se irracionalmente.
Uma ação, para ser racional, deve ser o resultado de três decisões ótimas. Primeiro, deve ser o melhor modo de realizar o desejo de uma pessoa, dadas suas crenças. Depois, essas crenças devem ser elas mesmas ótimas, dadas as evidências disponíveis à pessoa.
Finalmente, a pessoa deve reunir uma quantidade ótima de evidência — nem demais nem de menos. Essa quantidade depende tanto de seus desejos — da importância que atribui à decisão — como de suas crenças relativas aos custos e benefícios de reunir mais informação.
No entanto, a teoria da escolha racional também pode falhar através da indeterminação. Pode haver diversas ações que sejam igual e otimamente boas. Ou pode não haver nenhuma ação que seja ao menos tão boa como todas as demais.
Quando a escolha racional é indeterminada, algum outro mecanismo deve preencher a brecha. Este poderia ser, por exemplo, o sentimento de “dever”, de cumprir uma norma social, ou o princípio de “satisfazer”, de escolher algo que seja considerado suficientemente bom.
ELSTER, Jon [1989]. Peças e engrenagens das ciências sociais. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.