Imitação e Semelhança
Todas as semelhanças de origem social que se observam no mundo social são o fruto direto ou indireto da imitação sob todas as suas formas: imitação-costume ou imitação-moda, imitação-simpatia ou imitação-obediência, imitação-instrução ou imitação-educação, imitação-espontânea ou imitação-refletida, etc. Daí a excelência do método contemporâneo que explica as doutrinas ou as instituições pela sua história.
Esta tendência só pode generalizar-se. Diz-se que os grandes gênios, os grandes inventores se encontram; mas, antes de mais, estas coincidências são muito raras. Depois, quando são provadas, elas têm sempre a sua origem num fundo da instrução comum onde beberam independentemente um e outro os autores da mesma invenção; e este fundo consiste num amontoado de tradições do passado, de experiências brutas ou mais ou menos organizadas e transmitidas imitativamente pelo grande veículo de todas as imitações, a linguagem.
Foi, notemo-lo, baseando-se implicitamente sobre esta proposição que os filólogos do nosso século, pela comparação analógica do sânscrito com o latim, o grego, o alemão, o russo e outras línguas da mesma família foram levados a admitir que existe aí uma família, e que ela tem como primeiro antepassado uma mesma linguagem tradicionalmente transmitida com modificações próximas, das quais cada uma foi uma verdadeira invenção linguística anônima, ela própria perpetuada por imitação.
Não existe senão uma única grande categoria de semelhanças universais que não parece à primeira vista poder ter sido produzida por uma repetição qualquer: é a semelhança das partes consideradas justapostas e imóveis do espaço imenso, condições de todo o movimento quer vibratório, quer gerador, quer propagador e conquistador.
Se quantidade significa semelhança, se toda a semelhança provém de uma repetição, e se toda a repetição é uma vibração, uma geração ou uma imitação, segue-se daí que, na hipótese de nenhum movimento ser ou ter sido vibratório, nenhuma função hereditária, nenhuma ação ou ideia aprendida e copiada, não haveria absolutamente nenhuma quantidade no universo, e as matemáticas não teriam aí emprego possível, nem aplicação concebível.
Segue-se também que, na hipótese inversa, se o nosso universo físico, vivo, social, desdobrasse mais vastamente ainda as suas atividades vibratórias, genitais, propagadoras, o campo do cálculo seria aí ainda mais estendido e profundo.
Isso é visível nas nossas sociedades europeias em que os progressos extraordinários da moda sob todas as formas — da moda aplicada às roupas, aos alimentos, às habitações, às necessidades, às ideias, às instituições, às artes — estão em vias de fazer da Europa a edição de um mesmo tipo de pessoa com tiragens de várias centenas de milhares de exemplares.
Não se vê, desde os seus inícios, este prodigioso nivelamento tornar possível o nascimento e o desenvolvimento da estatística e do que tão bem se chamou a física social, a economia política? Sem a moda e o costume, não haveria quantidade social, especialmente valor, dinheiro, e, portanto, ciência das riquezas e das finanças.
No início das sociedade, a arte de talhar o sílex, de domesticar o cão, de fabricar um arco, mais tarde de fazer levedar o pão, de trabalhar o bronze, de extrair o ferro, etc., propagou-se contagiosamente, sendo cada flecha, cada bocado de pão, cada fivela de bronze, cada sílex talhado ao mesmo tempo cópia e modelo.
Assim se opera em nossos dias a difusão irradiante das boas receitas de toda a espécie, com a pequena diferença de que a densidade crescente da população e os progressos conseguidos aceleram prodigiosamente esta extensão, como a rapidez do som se faz em razão da densidade do meio.
Cada coisa social, isto é, cada invenção ou cada descoberta, tende a estender-se no seu meio social, meio que, ele próprio, acrescentarei eu, tende a estender-se, dado que se compõe essencialmente de coisas semelhantes, todas ambiciosas ao infinito.
TARDE, Gabriel [1890]. As leis da imitação. Porto: RÉS Editora, 2000.