Civilização
A forma de família que corresponde à civilização e vence definitivamente com ela é a monogamia, a supremacia do homem sobre a mulher, e a família individual como unidade econômica da sociedade.
A força de coesão da sociedade civilizada é o Estado, que, em todos os períodos típicos, é exclusivamente o Estado da classe dominante e, de qualquer modo, essencialmente uma máquina destinada a reprimir a classe oprimida e explorada.
Também são características da civilização: por um lado, a fixação da oposição entre a cidade e o campo como base de toda a divisão do trabalho social e, por outro lado, a introdução dos testamentos, por meio dos quais o proprietário pode dispor de seus bens ainda depois de morto.
A ambição mais vulgar tem sido a força motriz da civilização, desde seus primeiros dias até o presente; seu objetivo determinante é a riqueza, e outra vez a riqueza, e sempre a riqueza — mas não a da sociedade, e sim de tal ou qual mesquinho indivíduo.
Se, na busca desse objetivo, a ciência tem-se desenvolvido cada vez mais e têm-se verificado períodos de extraordinário esplendor nas artes, é porque sem isso teriam sido impossíveis, na sua plenitude, as atuais realizações na acumulação de riquezas.
Desde que a civilização se baseia na exploração de uma classe por outra, todo o seu desenvolvimento se opera numa constante contradição. Cada progresso na produção é ao mesmo tempo um retrocesso na condição da classe oprimida, isto é, da imensa maioria.
Cada benefício para uns é necessariamente um prejuízo para outros; cada grau de emancipação conseguido por uma classe é um novo elemento de opressão para a outra. A prova mais eloquente a respeito é a própria criação da máquina, cujos efeitos, hoje, são sentidos pelo mundo inteiro.
Se entre os bárbaros, é difícil estabelecer a diferença entre os direitos e os deveres, com a civilização estabelece-se entre ambos uma distinção e um contraste evidentes, atribuindo-se a uma classe quase todos os direitos e à outra quase todos os deveres.
Mas não deve ser assim. O que é bom para a classe dominante deve ser bom para a sociedade, com a qual a classe dominante se identifica. Quanto mais progride a civilização, mais se vê obrigada a encobrir os males que traz necessariamente consigo, ocultando-os com o manto da caridade, enfeitando-os ou simplesmente negando-os.
Em uma palavra: elabora-se uma hipocrisia convencional, desconhecida pelas formas de sociedade anteriores e pelos primeiros estágios da civilização, que culmina com a declaração de que a classe opressora explora a classe oprimida exclusiva e unicamente para o próprio benefício desta. E, se a classe oprimida não o reconhece, e até se rebela, isso, além do mais, revela sua mais cruel ingratidão para com seus benfeitores, os exploradores.
ENGELS, Friedrich [1884]. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Rio de Janeiro: Editora Vitória, 1964.
Materialismo Histórico
A concepção materialista da história parte da tese de que a produção, e com ela a troca dos produtos, é a base de toda a ordem social; de que em todas as sociedades que desfilam pela história, a distribuição dos produtos, e juntamente com ela a divisão social das pessoas em classes ou camadas, é determinada pelo que a sociedade produz e como produz o pelo modo de trocar os seus produtos.
De conformidade com isso, as causas profundas de todas as transformações sociais e de todas as revoluções políticas não devem ser procuradas nas cabeças das pessoas nem na ideia que elas façam da verdade eterna ou da eterna justiça, mas nas transformações operadas no modo de produção e de troca; devem ser procuradas não na filosofia, mas na economia da época de que se trata.
Quando nasce nas pessoas a consciência de que as instituições sociais vigentes são irracionais e injustas, de que a razão se converteu em insensatez e a bênção em praga, isso não é mais que um indício de que nos métodos de produção e nas formas de distribuição produziram-se silenciosamente transformações com as quais já não concorda a ordem social, talhada segundo o padrão de condições econômicas anteriores.
E assim já está dito que nas novas relações de produção têm forçosamente que conter-se — mais ou menos desenvolvidos — os meios necessários para por termo aos males descobertos. E esses meios não devem ser tirados da cabeça de ninguém, mas a cabeça é que tem de descobri-los nos fatos materiais da produção, tal e qual a realidade os oferece.
A ordem social vigente — verdade reconhecida hoje por quase todo o mundo — é obra das classes dominantes dos tempos modernos, da burguesia. O modo de produção característico da burguesia, ao qual se dá o nome de modo capitalista de produção, era incompatível com os privilégios locais e dos estados, como o era com os vínculos interpessoais da ordem feudal.
A burguesia lançou por terra a ordem feudal e levantou sobre suas ruínas o regime da sociedade burguesa, o império da livre concorrência, da liberdade de domicílio, da igualdade de direitos dos possuidores de mercadorias, e tantas outras maravilhas burguesas. Agora já podia desenvolver-se livremente o modo capitalista de produção.
E ao chegarem o vapor e a nova maquinaria ferramental, transformando a antiga manufatura na grande indústria, as forças produtivas criadas e postas em movimento sob o comando da burguesia desenvolveram-se com uma velocidade inaudita e em proporções até então desconhecidas.
Mas, do mesmo modo que em seu tempo a manufatura e o artesanato, que continuava desenvolvendo-se sob sua influência, se chocavam com os entraves feudais das corporações, a grande indústria, ao chegar a um nível de desenvolvimento mais alto, já não cabe no estreito marco em que é contida pelo modo de produção capitalista.
As novas forças produtivas transbordam já da forma burguesa em que são exploradas, e esse conflito entre as forças produtivas e o modo de produção não é precisamente nascido na cabeça do ser humano — algo assim como o conflito entre o pecado original do homem e a justiça divina — mas tem suas raízes nos fatos, na realidade objetiva, fora de nós, independentemente da vontade ou da atividade das próprias pessoas que o provocaram.
ENGELS, Friedrich [1880]. Do socialismo utópico ao socialismo científico. Rio de Janeiro: Global Editora, 1984.