Relativismo Cultural
Os estudos comparativos tentam explicar costumes e ideias de notável similaridade encontradas aqui e ali. Mas vários também têm o plano mais ambicioso de descobrir as leis e a história da evolução da sociedade humana.
O fato de que muitos aspectos fundamentais da cultura sejam universais — ou que pelo menos ocorram em muitos lugares isolados — quando interpretados segundo a suposição de que os mesmos aspectos devem ter se desenvolvido sempre a partir das mesmas causas, leva à conclusão de que existe um grande sistema pelo qual a humanidade se desenvolveu em todos os lugares, e que todas as variações observadas não passam de detalhes menores dessa grande evolução uniforme.
Esse raciocínio tem como base lógica a suposição de que os mesmos fenômenos devem-se sempre às mesmas causas. Para dar um exemplo: há muitos tipos de estruturas familiares. Pode-se provar que famílias patrilineares têm frequentemente se desenvolvido a partir de famílias matrilineares. Por conseguinte, afirma-se que todas as famílias patrilineares desenvolveram-se de famílias matrilineares.
Porém, amarrar fenômenos na camisa de força de uma teoria é o oposto do processo indutivo, pelo qual se podem derivar as relações reais de fenômenos definidos.
Se não supusermos que os mesmos fenômenos se desenvolveram em todos os lugares sempre a partir das mesmas causas, poderemos igualmente concluir que as famílias patrilineares, em alguns casos, derivaram de instituições matrilineares; e, em outros casos, de outros caminhos.
Os fatos não favorecem absolutamente a suposição evolucionista e suas generalizações; muito pelo contrário, eles apontam na direção oposta.
Devemos considerar que todas as engenhosas tentativas de construção de um grande sistema da evolução da sociedade têm valor muito duvidoso, a menos que se prove também que os mesmos fenômenos tiveram sempre a mesma origem.
Até que isso seja feito, o pressuposto mais aceitável é que o desenvolvimento histórico pode ter seguido cursos variados.
BOAS, Franz [1896]. As limitações do método comparativo da antropologia. In: Antropologia cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2005.
Método Histórico
Concordamos que existam certos princípios governando o desenvolvimento da cultura humana e nos empenhamos para descobri-Ios. O objetivo de nossa investigação antropológica é descobrir os processos pelos quais certos estágios culturais se desenvolveram.
Os costumes e as crenças, em si mesmos, não constituem a finalidade última da pesquisa. Queremos saber as razões pelas quais tais costumes e crenças existem — em outras palavras, desejamos descobrir a história de seu desenvolvimento.
O método atualmente mais aplicado em investigações dessa natureza compara as variações sob as quais os costumes e as crenças ocorrem, mas, ao seguir uma orientação evolucionista, se esforça por encontrar a causa psicológica comum subjacente a todos eles. Temos outro método que em muitos aspectos é bem mais seguro.
O estudo detalhado de costumes em sua relação com a cultura total da sociedade que os pratica, em conexão com uma investigação de sua distribuição geográfica entre sociedades vizinhas, propicia-nos quase sempre um meio de determinar com considerável precisão as causas históricas que levaram à formação dos costumes em questão e os processos psicológicos que atuaram em seu desenvolvimento.
Os resultados das investigações conduzidas por esse método podem ser tríplices. Eles podem revelar as condições ambientais que criaram ou modificaram os elementos culturais; esclarecer fatores psicológicos que atuaram na configuração da cultura; ou nos mostrar os efeitos que as conexões históricas tiveram sobre o desenvolvimento da cultura.
Decerto a maneira de proceder do método histórico não é mais a dos primeiros tempos, quando similaridades superficiais entre culturas eram consideradas provas de relacionamento entre elas, embora reconheça devidamente os resultados obtidos pelos estudos comparativos.
Sua aplicação se baseia, em primeiro lugar, num território geográfico pequeno e bem definido, e suas comparações não são estendidas além dos limites da área cultural que forma a base de estudo. Apenas quando se obtiverem resultados definidos com relação a essa área, será lícito estender o horizonte além desses limites.
No entanto, é preciso tomar o máximo de cuidado para não proceder muito apressadamente, pois do contrário a proposição fundamental que formulei anteriormente poderia ser ignorada — isto é, que, quando encontramos analogia de traços singulares de cultura entre povos distantes, não devemos supor que tenha havido uma causa histórica comum, mas que eles tenham se originado independentemente.
Desse modo, a investigação precisa procurar sempre a continuidade de distribuição como uma das condições essenciais para provar a conexão histórica, e a suposição de elos perdidos deve ser aplicada o mais parcimoniosamente possível.
Existe uma grande diferença entre o uso indiscriminado de similaridades culturais para provar uma conexão histórica, como faz a escola difusionista, e o estudo lento, cuidadoso e detalhado de fenômenos locais.
Já não acreditamos mais que semelhanças superficiais entre culturas da América Central e da Ásia Oriental são prova satisfatória e suficiente de uma conexão histórica.
BOAS, Franz [1896]. As limitações do método comparativo da antropologia. In: Antropologia cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2005.