Fato Social
Quando se observam os fatos sociais tais como são e tais como sempre foram, salta aos olhos que toda educação consiste num esforço contínuo para impor à criança maneiras de ver, de sentir e de agir às quais ela não teria chegado espontaneamente.
Desde os primeiros momentos de sua vida, forçamo-las a comer, a beber, a dormir em horários regulares, forçamo-las à limpeza, à calma, à obediência; mais tarde, forçamo-las para que aprendam a levar em conta outrem, a respeitar os costumes, as conveniências, forçamo-las ao trabalho, etc.
Se, com o tempo, essa coerção cessa de ser sentida, é que pouco a pouco ela dá origem a hábitos, a tendências internas que a tornam inútil, mas que só a substituem pelo fato de derivarem dela.
A educação tem justamente por objeto produzir o ser social; pode-se portanto ver nela, como que resumidamente, de que maneira esse ser constituiu-se na história. Essa pressão de todos os instantes que sofre a criança é a pressão mesma do meio social que tende a modelá-la à sua imagem e do qual os pais e os mestres não são senão os representantes e os intermediários.
Quando desempenho minha tarefa de irmão, de marido ou de cidadão, quando executo os compromissos que assumi, eu cumpro deveres que estão definidos, fora de mim e de meus atos, nas leis e nos costumes. Ainda que eles estejam de acordo com meus sentimentos próprios e que eu sinta interiormente a realidade deles, esta não deixa de ser objetiva; pois não fui eu que os fiz, mas os incorporei pela socialização.
Do mesmo modo, as crenças e as práticas de sua vida religiosa, o fiel as encontrou inteiramente prontas ao nascer; se elas existiam antes dele, é que existem fora dele.
O sistema de signos de que me sirvo para exprimir meu pensamento, o sistema de moedas que emprego para pagar minhas dívidas, os instrumentos de crédito que utilizo em minhas relações comerciais, as práticas observadas em minha profissão, etc. funcionam independentemente do uso que faço deles. Eis aí, portanto, maneiras de agir, de pensar e de sentir que apresentam essa notável propriedade de serem exteriores ao indivíduo, de existirem fora das consciências individuais.
Outra dimensão fundamental dos fatos sociais é a sua generalidade. Um fenômeno só pode ser coletivo se for comum a todos os membros da sociedade ou, pelo menos, à maior parte deles, portanto, se for geral. Se ele é geral, é porque é coletivo, o que é bem diferente de ser coletivo por ser geral.
Esse fenômeno é um estado do grupo, que se repete nos indivíduos porque se impõe a eles. Ele está em cada parte porque está no todo, o que é diferente de estar no todo por estar nas partes. Isso é sobretudo evidente nas crenças e práticas que nos são transmitidas inteiramente prontas pelas gerações anteriores; recebemo-las e adotamo-las porque, sendo ao mesmo tempo uma obra coletiva e uma obra secular, elas estão investidas de uma particular autoridade que a educação nos ensinou a reconhecer e a respeitar.
Esses tipos de conduta ou de pensamento não apenas são exteriores ao indivíduo e gerais na sociedade, como também são dotados de uma força coercitiva em virtude da qual se impõem a ele, quer ele queira, quer não.
Certamente, quando me conformo voluntariamente a ela, essa coerção não se faz ou pouco se faz sentir. Nem por isso ela deixa de ser um caráter intrínseco desses fatos, e a prova disso é que ela se afirma tão logo tento resistir.
Em se tratando de máximas puramente morais, a consciência pública reprime todo ato que as ofenda através da vigilância que exerce sobre a conduta dos cidadãos e das penas especiais de que dispõe. Em outros casos, a coerção é menos violenta, mas não deixa de existir. Se não me submeto às convenções do mundo, se, ao vestir-me, não levo em conta os costumes observados em meu país e em minha classe, o riso que provoco, o afastamento em relação a mim produzem, embora de maneira mais atenuada, os mesmos efeitos que uma pena propriamente dita.
Ademais, a coerção, mesmo sendo apenas indireta, continua sendo eficaz. Não sou obrigado a falar francês com meus compatriotas, nem a empregar as moedas legais; mas é impossível agir de outro modo. Se eu quisesse escapar a essa necessidade, minha tentativa fracassaria miseravelmente.
Ainda que, de fato, eu possa libertar-me dessas regras e violá-las com sucesso, isso jamais ocorre sem que eu seja obrigado a lutar contra elas. E ainda que elas sejam finalmente vencidas, demonstram suficientemente sua força coercitiva pela resistência que opõem.
É, portanto, fato social toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma pressão coercitiva; ou ainda, toda maneira de fazer que é geral na extensão de uma sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência própria, exterior, independente de suas manifestações individuais.
DURKHEIM, Émile [1895]. As regras do método sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
Método Sociológico
O método sociológico é objetivo. Ele é dominado integralmente pela ideia de que os fatos sociais são coisas e como tais devem ser tratados. É coisa, com efeito, tudo o que é dado, tudo o que se oferece ou, melhor, se impõe à observação. Os fenômenos sociais apresentam incontestavelmente esse caráter.
O que nos é dado não é a ideia que as pessoas fazem do valor, pois ela é inacessível; são os valores que se trocam realmente no curso de relações econômicas. Não é esta ou aquela concepção da ideia moral; é o conjunto das regras que determinam efetivamente a conduta. Não é a ideia do útil ou da riqueza; é toda a particularidade da organização econômica.
É preciso portanto considerar os fenômenos sociais em si mesmos, separados dos sujeitos conscientes que os concebem; é preciso estudá-los de fora, como coisas exteriores, pois é nessa qualidade que eles se apresentam a nós.
Toda investigação científica tem por objeto um grupo determinado de fenômenos que correspondem a uma mesma definição. O primeiro procedimento do sociólogo deve ser, portanto, definir as coisas de que ele trata, a fim de que se saiba e de que ele saiba bem o que está em questão.
Essa é a primeira e a mais indispensável condição de toda prova e de toda verificação; uma teoria, com efeito, só pode ser controlada se se sabe reconhecer os fatos que ela deve explicar.
A ciência, para ser objetiva, deve partir, não de conceitos que se formaram sem ela, mas da observação. É dos dados empíricos que ela deve tomar diretamente emprestados os elementos de suas definições iniciais. E, de fato, basta pensar em que consiste a obra da ciência para compreender que ela não pode proceder de outro modo. Ela tem necessidade de conceitos que exprimam adequadamente as coisas tais como elas são, não tais como é útil à prática concebê-las.
É preciso, pois, que a ciência crie novas definições e que, para tanto, afastando as noções comuns e as palavras que as exprimem, volte à sensação, matéria-prima necessária de todos os conceitos. É da observação da realidade que emanam todas as ideias gerais, verdadeiras ou falsas, científicas ou não.
Mas a sensação é facilmente subjetiva. Assim é de regra, nas ciências naturais, afastar os dados sensíveis que correm o risco de ser demasiado pessoais ao observador, para reter exclusivamente os que apresentam um suficiente grau de objetividade. O sociólogo deve tomar as mesmas precauções. Os caracteres exteriores em função dos quais ele define o objeto de suas pesquisas devem ser tão objetivos quanto possível.
Pode-se estabelecer como princípio que os fatos sociais são tanto mais suscetíveis de ser objetivamente representados quanto mais completamente separados dos fatos individuais que os manifestam. Fora dos atos individuais que suscitam, os hábitos coletivos exprimem-se sob formas definidas, regras jurídicas, morais, ditos populares, fatos de estrutura social, etc.
Como essas formas existem de uma maneira permanente, como não mudam com as diversas aplicações que delas são feitas, elas constituem um objeto fixo, um padrão constante que está sempre ao alcance do observador e que não dá margem às impressões subjetivas e às percepções pessoais.
Por outro lado, visto que essas práticas nada mais são que vida social consolidada, é legítimo, salvo indicações contrárias, estudar esta através daquelas.
DURKHEIM, Émile [1895]. As regras do método sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
Solidariedade Mecânica
Existe uma coesão social cuja causa está numa certa conformidade de todas as consciências particulares a um tipo comum que não é outro senão o tipo psíquico da sociedade.
Com efeito, nessas condições, não só todos os membros do grupo são individualmente atraídos uns pelos outros, por se assemelharem, mas também são apegados ao que é a condição de existência desse tipo coletivo, isto é, a sociedade que formam por sua reunião.
Não apenas os cidadãos se amam e se procuram entre si, preferindo-se aos estrangeiros, mas amam sua pátria. Eles a querem como querem a si mesmos, desejam que ela dure e prospere, porque, sem ela, há toda uma parte da sua vida psíquica cujo funcionamento seria entravado. Inversamente, a sociedade deseja que eles apresentem todas essas semelhanças fundamentais, porque se trata de uma condição de sua coesão.
Há em nós duas consciências: uma contém apenas estados que são pessoais a cada um de nós e nos caracterizam, ao passo que os estados que a outra compreende são comuns a toda a sociedade.
A primeira representa apenas nossa personalidade individual e a constitui; a segunda representa o tipo coletivo e, por conseguinte, a sociedade sem a qual ele não existiria. Quando é um dos elementos desta última que determina nossa conduta, não agimos tendo em vista o nosso interesse pessoal, mas perseguimos finalidades coletivas.
Embora distintas, essas duas consciências são ligadas uma à outra, pois, em suma, elas constituem uma só coisa, tendo para as duas um só e mesmo substrato orgânico. Logo, elas são solidárias. Daí resulta uma solidariedade que, nascida das semelhanças, vincula diretamente o indivíduo à sociedade.
Essa solidariedade social não consiste apenas num apego geral e indeterminado do indivíduo ao grupo, mas também torna harmônico o detalhe dos movimentos. De fato, como são os mesmos em toda parte, esses móbiles coletivos produzem em toda parte os mesmos efeitos. Por conseguinte, cada vez que entram em jogo, as vontades se movem espontaneamente e em conjunto no mesmo sentido.
É essa solidariedade que o direito repressivo exprime, pelo menos no que ela tem de vital. De fato, os atos que ele proíbe e qualifica de crimes são de dois tipos: ou manifestam diretamente uma dessemelhança demasiado violenta contra o agente que as realiza e o tipo coletivo, ou ofendem o órgão da consciência comum.
Existe, portanto, uma solidariedade social proveniente do fato de que certo número de estados de consciência são comuns a todos os membros da mesma sociedade.
O papel que ela representa na integração geral da sociedade depende, evidentemente, da maior ou menor extensão da vida social que a consciência comum abraça e regulamenta. Quanto mais houver relações diversas em que esta última faz sentir sua ação, mais ela cria vínculos que ligam o indivíduo ao grupo; e mais, por conseguinte, a coesão social deriva completamente dessa causa e traz a sua marca.
No momento em que essa solidariedade exerce sua ação, nossa personalidade se esvai. Podemos dizer, por definição, que não somos mais nós mesmos, e sim o ser coletivo. As moléculas sociais que só seriam coerentes dessa maneira não poderiam, pois, mover-se em conjunto, a não ser na medida em que não têm movimentos próprios, como fazem as moléculas dos corpos inorgânicos.
É por isso que propomos chamar de mecânica essa espécie de solidariedade. Essa palavra não significa que ela seja produzida por meios mecânicos e de modo artificial. Só a denominamos assim por analogia com a coesão que une entre si os elementos dos corpos brutos, em oposição à que faz a unidade dos corpos vivos. O que acaba de justificar essa denominação é que o vínculo que une assim o indivíduo à sociedade é de todo análogo ao que liga a coisa à pessoa.
A consciência individual, considerada sob esse aspecto, é uma simples dependência do tipo coletivo e segue todos os seus movimentos, como o objeto possuído segue aqueles que seu proprietário lhe imprime. Nas sociedades em que essa solidariedade é muito desenvolvida, o indivíduo não se pertence, ele é, literalmente, uma coisa de que a sociedade dispõe.
DURKHEIM, Émile [1893]. Da divisão do trabalho social. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
Solidariedade Orgânica
A solidariedade produzida pela divisão do trabalho supõe que os indivíduos diferem uns dos outros. Ela só é possível se cada um tiver uma esfera de ação própria, por conseguinte, uma personalidade.
É necessário, pois, que a consciência coletiva deixe descoberta uma parte da consciência individual, para que nela se estabeleçam essas funções especiais que ela não pode regulamentar; e quanto mais essa região é extensa, mais forte é a coesão que resulta dessa solidariedade.
De fato, de um lado, cada um depende tanto mais estreitamente da sociedade quanto mais dividido for o trabalho nela e, de outro, a atividade de cada um é tanto mais pessoal quanto mais for especializada.
Sem dúvida, por mais circunscrita que seja, ela nunca é completamente original; mesmo no exercício de nossa profissão, conformamo-nos a usos, a práticas que são comuns a nós e a toda a nossa corporação. Mas, mesmo nesse caso, o jugo que sofremos é muito menos pesado do que quando a sociedade inteira pesa sobre nós, e ele proporciona muito mais espaço para o livre jogo de nossa iniciativa.
Aqui, pois, a individualidade do todo aumenta ao mesmo tempo que a das partes; a sociedade torna-se mais capaz de se mover em conjunto, ao mesmo tempo em que cada um de seus elementos tem mais movimentos próprios. Essa solidariedade se assemelha à que observamos entre os animais superiores.
De fato, cada órgão aí tem sua fisionomia especial, sua autonomia, e contudo a unidade do organismo é tanto maior quanto mais acentuada essa individuação das partes. Devido a essa analogia, propomos chamar de orgânica a solidariedade devida à divisão do trabalho.
É, pois, uma lei da história a de que a solidariedade mecânica, que, a princípio, é única ou quase, perde terreno progressivamente e que a solidariedade orgânica se toma pouco a pouco preponderante. Mas quando a maneira como as pessoas são solidárias se modifica, a estrutura das sociedades não pode deixar de mudar.
Esse tipo social baseia-se em princípios tão diferentes do precedente que ele só se pode desenvolver na medida em que aquele se apaga. De fato, nele, os indivíduos não mais são agrupados segundo suas relações de descendência, mas segundo a natureza particular da atividade social a que se consagram.
Seu meio natural e necessário não é mais o meio natal, mas o meio profissional. Não é mais a consanguinidade, real ou fictícia, que assinala a posição de cada um, mas a função que ele desempenha.
DURKHEIM, Émile [1893]. Da divisão do trabalho social. São Paulo: Martins Fontes, 1999.