Perspectivismo Ameríndio
O estímulo inicial para esta reflexão são as numerosas referências, na etnografia amazônica, a uma teoria indígena segundo a qual o modo como os humanos vêem os animais e outras subjetividades que povoam o universo — deuses, espíritos, mortos, habitantes de outros níveis cósmicos, fenômenos meteorológicos, vegetais, às vezes mesmo objetos e artefatos — é profundamente diferente do modo como esses seres os vêem e se vêem.
Tipicamente, os humanos, em condições normais, vêem os humanos como humanos, os animais como animais e os espíritos como espíritos; já os animais predadores e os espíritos vêem os humanos como animais de presa, ao passo que os animais de presa vêem os humanos como espíritos ou como animais predadores.
Em troca, os animais e espíritos se vêem como humanos: apreendem-se como — ou se tornam — antropomorfos quando estão em suas próprias casas ou aldeias, e experimentam seus próprios hábitos e características sob a espécie da cultura.
Em outras palavras, vêem seu alimento como alimento humano — os jaguares vêem o sangue como cauim, os mortos vêem os grilos como peixes, os urubus vêem os vermes da carne podre como peixe assado etc. —, seus atributos corporais — pelagem, plumas, garras, bicos etc. — como adornos ou instrumentos culturais, seu sistema social como organizado do mesmo modo que as instituições humanas — com chefes, xamãs, festas, ritos etc.
Esse "ver como" se refere literalmente a perceptos, e não analogicamente a conceitos, ainda que, em alguns casos, a ênfase seja mais no aspecto categorial que sensorial do fenômeno; de todo modo, os xamãs, mestres do esquematismo cósmico, dedicados a comunicar e administrar essas perspectivas cruzadas, estão sempre aí para tornar sensíveis os conceitos ou tornar inteligíveis as intuições.
Em suma, os animais são gente, ou se vêem como pessoas. Tal concepção está quase sempre associada à ideia de que a forma manifesta de cada espécie é um mero envelope — uma "roupa" — a esconder uma forma interna humana, normalmente visível apenas aos olhos da própria espécie ou de certos seres transespecíficos, como os xamãs.
Essa forma interna é o espírito do animal: uma intencionalidade ou subjetividade formalmente idêntica à consciência humana, materializável, digamos assim, em um esquema corporal humano oculto sob a máscara animal.
Teríamos então, à primeira vista, uma distinção entre uma essência antropomorfa de tipo espiritual, comum aos seres animados, e uma aparência corporal variável, característica de cada espécie, mas que não seria um atributo fixo, e sim uma roupa trocável e descartável.
A noção de "roupa" é uma das expressões privilegiadas da metamorfose: espíritos, mortos e xamãs que assumem formas animais, bichos que viram outros bichos, humanos que são inadvertidamente mudados em animais, um processo onipresente no "mundo altamente transformacional" proposto pelas ontologias amazônicas.
Na América do Sul, as cosmologias do noroeste amazônico mostram os desenvolvimentos mais completos. Mas são as etnografias sobre o canibalismo wari e a epistemologia juruna que ligam a questão dos pontos de vista não humanos e da natureza posicional das categorias cosmológicas ao conjunto mais amplo de manifestações de uma economia simbólica da alteridade.
O perspectivismo não engloba, via de regra, todos os animais; a ênfase parece ser naquelas espécies que desempenham um papel simbólico e prático de destaque, como os grandes predadores, rivais dos humanos, e as presas principais dos humanos.
De outro lado, nem sempre é claro que se atribuam almas ou subjetividades a cada indivíduo animal, e há exemplos de cosmologias que negam aos animais pós-míticos a capacidade de consciência, ou alguma outra distinção espiritual.
Entretanto, a noção de espíritos "senhores" dos animais — "mães da caça", "mestres dos queixadas" etc. — é, como se sabe, de enorme difusão no continente. Esses espíritos-mestres, claramente dotados de uma intencionalidade análoga à humana, funcionam como hipóstases das espécies animais a que estão associados, criando um campo intersubjetivo humano-animal mesmo ali onde os animais empíricos não são espiritualizados.
Recordemos sobretudo que, se há uma noção virtualmente universal no pensamento ameríndio, é aquela de um estado original de indiferenciação entre os humanos e os animais, descrito pela mitologia.
Os mitos são povoados de seres cuja forma, nome e comportamento misturam inextricavelmente atributos humanos e animais, em um contexto comum de intercomunicabilidade idêntico ao que define o mundo intra-humano atual.
A diferenciação entre "cultura" e "natureza", que o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss mostrou ser o tema maior da mitologia ameríndia, não é um processo de diferenciação do humano a partir do animal, como em nossa cosmologia evolucionista.
A condição original comum aos humanos e animais não é a animalidade, mas a humanidade. A grande divisão mítica mostra menos a cultura se distinguindo da natureza que a natureza se afastando da cultura: os mitos contam como os animais perderam os atributos herdados ou mantidos pelos humanos.
Os humanos são aqueles que continuaram iguais a si mesmos: os animais são ex-humanos, e não os humanos ex-animais.
CASTRO, Eduardo Viveiros de. Os pronomes cosmológicos e o perspectivismo ameríndio. Mana, v. 2, n. 2, p. 115-144, 1996.