Grupos Primários
Por grupos primários, refiro-me aos que são caracterizados por uma associação e por uma cooperação íntimas e “face a face”. São primários em vários sentidos, mas principalmente por serem essenciais na formação da natureza social e dos ideais do indivíduo.
O resultado da estreita associação, de um ponto de vista psicológico, é uma certa fusão das individualidades num todo comum, de modo que a verdadeira pessoa em si mesma identifica-se com a vida comum e com o projeto do grupo.
Talvez a maneira mais simples de descrever essa totalidade seja falar a respeito de um “nós”. Isso implica uma simpatia e identificação mútua que expressamos, naturalmente, por “nós”. Vive-se no sentimento desse todo e encontram-se os alvos principais de nossa vontade nesse sentimento.
Impossível supor que a unidade do grupo primário não seja senão pura harmonia e amor. Trata-se, contudo, de uma unidade diferenciada e geralmente competitiva, admitindo caracteres egoístas ou outras paixões. Mas tais paixões são socializadas pela simpatia e põem-se, ou tendem a pôr-se, sob o controle de um espírito comum.
O indivíduo será ambicioso, mas o principal objetivo de sua ambição consistirá em melhorar a imagem que os outros têm dele. Assim, o rapaz disputará com seus camaradas um lugar na equipe, mas acima das disputas colocará a glória comum: de sua classe e de sua escola.
Os mais importantes grupos que constituem as associações e cooperações íntimas — posto que, em caso algum, as únicas — são a família, os amigos e, quanto aos mais velhos, a vizinhança ou a comunidade.
Eles são praticamente universais, pertencem a todos os tempos e a todos os níveis de desenvolvimento. Por consequência, são a base de tudo o que é universal na natureza humana e nos ideais humanos.
É fato generalizado que as crianças e, sobretudo, os jovens vivem "fraternidades", nas quais sua simpatia, sua honra e sua ambição se acham frequentemente mais empenhadas do que no seio da família. A maioria dentre nós pode lembrar exemplos de crianças que sofrem injustiça e, mesmo, crueldade da parte de outras, e não se queixam a seus pais ou professores, nem acusam os seus camaradas.
Numa sociedade em que não se é ligado pelo lugar, as pessoas formam facilmente clubes, irmandades ou coisa equivalente, tendo como base uma comunidade de espírito que pode dar origem a uma real intimidade.
Seguramente os grupos primários não são independentes de uma sociedade mais vasta e, até certo ponto, refletem-lhe o espírito: assim, a família e a escola em sociedades mais militaristas trazem, em alguns pontos precisos, a marca do militarismo.
Esses grupos, por conseguinte, são as fontes da vida para as instituições não somente individuais como também sociais. São — mas apenas em parte — modelados por tradições especiais e, em grau maior, exprimem a natureza universal.
A religião ou o governo de outras civilizações talvez nos pareçam estranhos, mas as crianças ou o grupo familiar permanecem idênticos. Graças a eles, podemos sempre sentir-nos em casa.
COOLEY, Charles [1909]. Os grupos primários. In: BIRNBAUM, Pierre; CHAZEL, François. Teoria sociológica. São Paulo: Editora da USP, 1977.
Comunicação e Formação Humana
Entendemos por comunicação o mecanismo pelo qual existem e se desenvolvem as relações humanas: todos os símbolos mentais e os meios de propagá-los no espaço e preservá-los no tempo.
A comunicação abrange as expressões faciais, as atitudes e os gestos, os matizes da voz, as palavras, as publicações, as ferrovias, o telégrafo, o telefone e todas as mais recentes descobertas na conquista do espaço e do tempo.
Todo esse conjunto, na complexidade de seu inter-relacionamento efetivo, compõe um todo orgânico, correspondente à totalidade orgânica do pensamento humano.
Cada coisa, nas formas do desenvolvimento mental, tem uma existência exterior. Quanto mais profundamente considerarmos esses mecanismos, mais intimamente revelar-se-ão suas relações com a vida interior da humanidade.
Não há uma separação nítida entre os meios de comunicação e o resto do mundo exterior. Todos os objetos e ações, de certo modo, são símbolos mentais e quase tudo que existe pode ter seu valor simbólico.
Podemos simbolizar, para uma criança, a lua ou um esquilo, simplesmente mostrando-os, imitando um esquilo ou desenhando a lua. Mas existe também, quase desde o início, um desenvolvimento convencional da comunicação originado de sinais espontâneos que perdem, porém, rapidamente, sua conexão com os objetos, um sistema de símbolos padronizados com o mero objetivo de difundir o pensamento.
Sem a comunicação, a mente não desenvolve uma verdadeira natureza humana, permanecendo num estado anormal e indescritível, nem humano, nem animal.
Essa asserção é dramaticamente ilustrada pelo caso de Relen Keller. Como sabemos, ficou ela, aos oito meses, em consequência da perda da visão e da audição, isolada da convivência humana, só retomando contato com a sociedade com cerca de sete anos.
Ainda que sua mente durante esse período não estivesse totalmente separada da sociedade — pois conservou o uso de uma série considerável de sinais aprendidos durante a infância — seus impulsos eram incontrolados. Seu pensamento era tão desconexo que, mais tarde, não se lembrava de quase nada do que acontecera antes do despertar ocorrido por volta dos sete anos.
A história desse despertar, relatado por sua professora, oferece-nos o quadro nítido de que necessitamos para compreender a importância dos fatos gerais e do significado da comunicação para a mente individual.
As fisionomias e conversas com nossos familiares, os livros, cartas, viagens, artes e coisas semelhantes, despertando os sentidos e o pensamento, e guiando-nos através de certos canais, proporcionam o estímulo e a estrutura para todo nosso desenvolvimento.
Do mesmo modo, se tivermos uma perspectiva mais ampla e considerarmos a vida de um grupo social, veremos que a comunicação, incluindo sua organização na literatura, na arte e nas instituições, é verdadeiramente a estrutura externa ou visível do pensamento, tanto causa como efeito da vida interna ou consciente do ser humano.
Tudo não passa de desenvolvimento: os símbolos, as tradições, as instituições são, indiscutivelmente, projetados pela mente. Porém, no próprio momento, e depois de sua projeção, eles reagem sobre a mente e, de certo modo, controlam-na, estimulando, desenvolvendo e fixando certos pensamentos em prejuízo de outros, para os quais não vêm nenhuma sugestão estimulante.
O indivíduo, graças a essa estrutura, é um membro não apenas de uma família, de uma classe e de um Estado como também de um todo mais amplo, retrocedendo ao ser humano pré-histórico que se desenvolveu graças ao pensamento.
Nesse todo, o ser humano vive como num elemento, dele extraindo os materiais necessários para seu desenvolvimento e adicionando-lhe todo pensamento construtivo que é capaz de expressar.
O sistema de comunicação, destarte, é um instrumento, uma invenção progressista, cujos aperfeiçoamentos reagem sobre a humanidade e alteram a vida de cada instituição e de cada indivíduo.
O estudo desses aperfeiçoamentos é um dos melhores meios para chegar-se a uma compreensão das transformações sociais e mentais com eles relacionados, pois oferece uma estrutura tangível para as nossas ideias.
COOLEY, Charles [1909]. O significado da comunicação para a vida social. In: CARDOSO, Fernando Henrique; IANNI, Octavio. Homem e sociedade. São Paulo: Editora Nacional, 1965.