Pesquisa Etnográfica
Em minha primeira pesquisa etnográfica no litoral sul, foi somente quando me vi só no distrito que pude começar a realizar algum progresso nos meus estudos e, de qualquer forma, descobri onde estava o segredo da pesquisa de campo eficaz.
Qual é, então, esta magia do etnógrafo, com a qual ele consegue evocar o verdadeiro espírito dos nativos, numa visão autêntica da vida social?
Como sempre, só se pode obter êxito através da aplicação sistemática e paciente de algumas regras de bom senso assim como de princípios científicos bem conhecidos e não pela descoberta de qualquer atalho maravilhoso que conduza ao resultado desejado, sem esforços e sem problemas.
Os princípios metodológicos podem ser agrupados em três unidades: em primeiro lugar, o pesquisador deve possuir objetivos genuinamente científicos e conhecer os valores e critérios da etnografia moderna.
Em segundo lugar, deve o pesquisador assegurar boas condições de trabalho, o que significa, basicamente, viver mesmo entre os nativos, sem depender de outras pessoas. Finalmente, deve ele aplicar certos métodos especiais de coleta, manipulação e registro da evidência.
O etnógrafo deve se inspirar nos resultados mais recentes do estudo científico, em seus princípios e objetivos. Conhecer bem a teoria científica e estar a par de suas últimas descobertas não significa estar sobrecarregado de ideias preconcebidas.
Se um pesquisador parte numa expedição decidido a provar certas hipóteses e é incapaz de mudar seus pontos de vista constantemente, abandonado-os sem hesitar ante a pressão da evidência, sem dúvida seu trabalho será inútil.
Mas, quanto maior for o número de questões que leve consigo para o trabalho de campo, quanto mais esteja habituado a moldar suas teorias aos fatos e a decidir quão relevantes eles são às suas teorias, tanto mais estará bem equipado para o seu trabalho de pesquisa.
As ideias preconcebidas são perniciosas a qualquer estudo científico; a capacidade de levantar problemas, no entanto, constitui uma das maiores virtudes do cientista — esses problemas são revelados ao observador através de seus estudos teóricos.
O objetivo fundamental da pesquisa etnográfica de campo é, portanto, estabelecer o contorno firme e claro da constituição social e delinear as leis e os padrões de todos os fenômenos culturais, isolando-os de fatos irrelevantes.
É necessário, em primeiro lugar, descobrir-se o esquema básico da vida social. Este objetivo exige que se apresente, antes de mais nada, um levantamento geral de todos os fenômenos, e não um mero inventário das coisas singulares e sensacionais — e muito menos ainda daquilo que parece original e engraçado.
Foi-se o tempo em que se aceitavam relatos nos quais o indígena aparecia como uma caricatura infantil do ser humano. Relatos desse tipo são falsos — e, como tal, a ciência os rejeita inteiramente.
O etnógrafo de campo deve analisar com seriedade e moderação todos os fenômenos que caracterizam cada aspecto da cultura pesquisada sem privilegiar aqueles que lhe causam admiração ou estranheza em detrimento dos fatos comuns e rotineiros.
Deve, ao mesmo tempo, perscrutar a cultura nativa na totalidade de seus aspectos. A lei, a ordem e a coerência que prevalecem em cada um desses aspectos são as mesmas que os unem e fazem deles um todo coerente.
MALINOWSKI, Bronislaw [1922]. Argonautas do Pacífico ocidental. In: Os pensadores: Bronislaw Malinowski. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
Teoria Funcional
O funcionalismo estaria equivocado se estudasse os aspectos fundamentais da cultura, da educação, do direito, da economia, do saber e da religião, sem ser capaz de analisar e, portanto, de definir cada um dentre eles e de os relacionar com as necessidades biológicas do organismo humano.
As instituições humanas, do mesmo modo que as atividades que aí se desdobram, estão ligadas às necessidades primárias, isto é, biológicas e às necessidades derivadas, isto é, culturais.
Função, portanto, significa satisfação de uma necessidade, desde a simples ação de comer até à execução sacramental, em que o fato de receber a comunhão se inscreve em todo um sistema de crenças.
A função da família é a de alimentar a comunidade de cidadãos. Em virtude do contrato de casamento, a família engendra uma descendência legítima, que deve ser alimentada, à qual se devem dar rudimentos de educação e fornecer, mais tarde, bens materiais e um estatuto social apropriado.
Qual a função da família ampliada? É a exploração mais eficiente dos recursos comuns, o reforço da autoridade jurídica no seio de uma célula da comunidade estreita e disciplinada e, muito frequentemente, o aumento da influência política, isto é, da segurança e do rendimento de células locais disciplinadas.
A função do clã: uma rede de relações suplementares que se sobrepõe aos grupos de vizinhança e fonte de um novo princípio de proteção jurídica, de reciprocidade econômica, de atividades mágicas e religiosas.
O sistema dos clãs multiplica, portanto, os laços pessoais que se cruzam de parte a parte de uma sociedade e dá largas a mais trocas de serviços, de ideias e de bens do que poderia fazê-lo uma cultura organizada unicamente segundo o princípio das famílias ampliadas e dos grupos de vizinhança.
Quanto à função da municipalidade: consiste a mesma em organizar os serviços públicos e a exploração coletiva dos recursos de um território, na medida em que tais atividades são o fruto de uma cooperação, mas nos limites da acessibilidade de cada dia.
As divisões organizadas de caráter sexual favorecem, assim como as classes etárias, os interesses específicos dos grupos humanos definidos segundo caracteres físicos.
Se tentarmos compreender o que se passa nas sociedades indígenas, refletindo sobre a sorte do homem e da mulher em nossas sociedades, veremos que uma e outra condição têm suas vantagens e seus inconvenientes, e que uma comunidade em que os sexos se embaralham explora talvez melhor as vantagens e equilibra melhor as insuficiências.
Acontece o mesmo com a idade. As classes etárias determinam o papel, as virtualidades e os serviços que convêm melhor a cada uma e distribuem o status e o poder, à guisa de recompensa.
Que dizer dos grupos profissionais, a não ser que sua função se define pelo serviço específico e pela recompensa apropriada? Ainda aqui o antropólogo vê atuarem as mesmas forças integrais na associação das pessoas, que prestam os mesmos serviços, compartem os mesmos interesses e buscam a costumeira recompensa.
O conceito de função proposto, que permite estreitar a trama social, ampliar e aprofundar a distribuição dos serviços e dos bens, das ideias e das crenças, bem poderia dar provas de si lançando as bases de uma nova pesquisa, fundada na vitalidade e na utilidade cultural de certos fenômenos sociais.
Poderíamos também incluir no desenvolvimento cultural o conceito de perpetuação, não dos organismos, nem mesmo dos grupos, mas das formas culturais. Princípio útil para avaliar as probabilidades da difusão.
Assim, pois, formulo o conceito de função pensando em grupos institucionais muito afastados, independentes uns dos outros e, antes de tudo, como processo heurístico.
MALINOWSKI, Bronislaw [1944]. A teoria funcional. In: BIRNBAUM, Pierre; CHAZEL, François. Teoria sociológica. São Paulo: Editora da USP, 1977.