Estruturação
O conceito de estruturação implica o de dualidade da estrutura, o qual se encontra em relação com o caráter fundamentalmente recursivo da vida social e expressa a dependência mútua entre estrutura e agência.
Por dualidade da estrutura pretendo afirmar que as propriedades estruturais dos sistemas sociais são simultaneamente o meio e o resultado das práticas que constituem esses mesmos sistemas.
Assim formulada, a teoria da estruturação recusa qualquer diferenciação entre sincronia e diacronia, ou entre estática e dinâmica. A identificação entre estrutura e constrangimento é aqui igualmente rejeitada.
A estrutura tanto capacita como constrange, pelo que o estudo das condições que presidem à organização dos sistemas sociais que governam as articulações entre constrangimento e capacitação constitui uma das tarefas da teoria social.
De acordo com esta concepção, as mesmas características estruturais são parte integrante tanto do sujeito — o ator — como do objeto — a sociedade.
A estrutura confere simultaneamente forma à “personalidade” e à “sociedade”, mas em nenhum dos casos o faz de modo exaustivo, quer por causa do peso significativo das consequências não intencionais da ação, quer devido às condições da ação que permanecem não conhecidas.
Todo o processo de ação corresponde à produção de algo novo, mas, ao mesmo tempo, toda ação apenas existe na continuidade com o passado, o qual fornece os meios para que aquela se inicie.
Por conseguinte, a estrutura não deve ser concebida como uma barreira à ação, mas sim como encontrando-se envolvida na sua produção, mesmo que nos encontremos em presença dos mais radicais processos de mudança social, os quais, como quaisquer outros, ocorrem no tempo.
Os mais disruptivos modos de mudança social, assim como as mais rígidas das formas estáveis, envolvem estruturação.
De acordo com a noção de dualidade da estrutura, as regras e os recursos são mobilizados pelos atores através da produção de interações, mas acontece que é também desse modo que são reconstituídos através de tais interações.
A estrutura é, por conseguinte, o modo através do qual a relação entre o momento e a totalidade se expressa sob a forma de reprodução social. As instituições não funcionam apenas “por detrás” dos atores sociais que as produzem e reproduzem.
Todo o membro competente de qualquer sociedade sabe bastante sobre as instituições dessa mesma sociedade, não sendo tal conhecimento secundário para o funcionamento da sociedade, encontrando-se antes necessariamente envolvido no mesmo.
GIDDENS, Anthony [1979]. Dualidade da estrutura: agência e estrutura. Oeiras: Celta Editora, 2000.
Agência
Uma tendência comum a muitas escolas de pensamento sociológico é o fato de adotarem como tática metodológica começarem as suas análises por desacreditarem as razões adiantadas pelos agentes para as suas ações, com o objetivo de descobrirem os estímulos “reais” das suas atividades, os quais eles próprios ignorariam.
Tal afirmação, contudo, é não só inapropriada do ponto de vista da teoria social, como traz consigo implicações políticas definidas e potencialmente ofensivas, ao implicar uma derrogação do ator leigo.
Caso consideremos os atores como dopados culturais ou meros “suportes do modo de produção”, sem qualquer entendimento minimamente válido daquilo que os circunda ou das circunstâncias da sua ação, abrimos de imediato caminho à suposição de que os seus próprios pontos de vista podem ser negligenciados em quaisquer programas práticos que se pretenda executar.
Não se trata apenas da questão “de que lado é que nos encontramos enquanto analistas sociais?” — embora não restem dúvidas de que a incompetência é comumente atribuída às pessoas dos agrupamentos socioeconômicos mais baixos por parte dos que se encontram numa posição de poder, ou pelos “especialistas” a eles associados.
O grau de convicção com que mesmo aqueles que pertencem às classes dominantes, ou a outras posições de autoridade, aceitam os sistemas simbólicos ideológicos, não deve ser sobrestimado. Mas não é de todo implausível supor que, em algumas circunstâncias e situações, aqueles que se encontram socialmente em posições de subordinação possam compreender melhor as condições de reprodução social do que aqueles que noutros aspectos os dominam.
Ao dizermos isto, temos que levar em linha de conta os principais requisitos do que se encontra implícito na proposição de que todo o ator competente possui um conhecimento bastante variado, mesmo que íntimo e sutil, da sociedade de que é membro.
Em primeiro lugar, o “conhecimento” terá de ser entendido em termos de consciência tanto prática como discursiva, sendo que mesmo quando nos deparamos com um substancial entendimento discursivo das formas institucionais, tal não surge de uma maneira proposicional.
De certo modo, o sociólogo austríaco Alfred Schütz coloca esta questão ao tipificar o “conhecimento dos livros de culinária”, contrapondo-lhe o tipo de conhecimento abstrato e teórico considerado pertinente pelo cientista social.
Só que tal não nos permite distinguir de modo satisfatório entre consciência prática, que é um conhecimento incorporado naquilo que os atores “sabem como fazer”, e consciência discursiva, isto é, aquilo sobre que os atores são capazes de “falar sobre”, nem de que maneira, ou sob que aparência, estes são capazes de falar sobre o que fazem.
Em segundo lugar, todo ator individualmente considerado é apenas um entre outros, muitos outros. Teremos de reconhecer que aquilo que um ator sabe enquanto membro competente da sociedade — mas histórica e especialmente situado —, “se esfuma” em contextos que se estendem para além daquilo que constitui sua atividade cotidiana.
Em terceiro lugar, os parâmetros da consciência prática e discursiva encontram-se limitados de modos que são passíveis de especificar, que se articulam com o caráter “localizado” das atividades dos atores, mas que não são reduzíveis a este.
GIDDENS, Anthony [1979]. Dualidade da estrutura: agência e estrutura. Oeiras: Celta Editora, 2000.
Integração Social
Os sistemas sociais, por oposição à estrutura, existem no tempo-espaço e são constituídos por práticas sociais.
O conceito de sistema social, entendido no seu sentido mais amplo, refere-se à interdependência da ação reproduzida, ou, nas palavras do sociólogo alemão Amitai Etzioni, a “uma relação em que as mudanças operadas numa ou em várias das suas componentes desencadeiam mudanças noutras componentes, sendo que estas mudanças, por sua vez, produzem mudanças nas partes em que ocorrem as mudanças originais”.
Os sistemas de interação social, reproduzidos através da dualidade da estrutura no contexto das condições limitadas da racionalização da ação, são constituídos através da interdependência entre atores ou grupos.
A noção de integração, tal como é aqui empregue, refere-se a um grau de interdependência da ação, ou “sistematicidade”, que se encontra presente em qualquer modo de reprodução sistêmica.
Podemos assim definir “integração” como os laços regularizados, ou como a reciprocidade das práticas, quer entre atores quer entre coletividades. Esta “reciprocidade das práticas” tem de ser entendida como compreendendo as relações regularizadas de autonomia e dependência relativas entre as partes envolvidas.
É importante realçar que, seja qual for o modo como é aqui empregue, integração não é sinônimo nem de “coesão”, nem, certamente, de “consenso”.
Podemos definir integração social como compreendendo a sistematicidade ao nível da interação face a face e integração sistêmica como referente à sistematicidade ao nível das relações entre sistemas e coletividades sociais.
O significado especial atribuído à integração social, contudo, não se deve ao fato de abranger pequenos grupos, ou de representar “a sociedade em miniatura”. Pelo contrário, “a interação face a face” possui um significado especial porque realça o significado do espaço e da presença nas relações sociais.
É no caráter imediato da vida-mundo que as relações sociais podem ser influenciadas por fatores diferentes daqueles que têm a ver com outros que se encontram espacialmente, e talvez temporalmente, ausentes.
A sistematicidade ao nível da integração social ocorre tipicamente através da monitorização reflexiva da ação, em conjunto com a racionalização da conduta, e é fundamental para a sistematicidade da sociedade como um todo.
A integração social funciona como o principal propulsor da integração sistêmica, por via da reprodução das instituições na base da dualidade da estrutura.
Quando profiro uma oração gramatical inglesa, no decorrer de uma conversa informal, estou a contribuir para a reprodução da língua inglesa como um todo. Estou assim em presença de uma consequência não intencional do modo como construir a frase, uma consequência que se encontra diretamente ligada à recursividade da dualidade da estrutura.
As modalidades de estruturação, isto é, esquemas interpretativos, são mobilizadas pelos atores no decorrer da produção da interação, mas são também, ao mesmo tempo, os meios de reprodução das componentes estruturais dos sistemas de interação.
Se colocarmos entre parênteses a análise das instituições, aquelas modalidades surgem-nos como reservas de conhecimento e como recursos empregues pelos atores na produção da interação, vista como um feito qualificado e cognitivo, no quadro das condições limitadas de racionalização da ação.
Sempre que a conduta estratégica é colocada entre parênteses, as modalidades representam as regras e os recursos enquanto traços institucionais dos sistemas de interação social. Por conseguinte, o nível da modalidade fornece os elementos acoplantes por meio dos quais a colocação entre parênteses da análise das estratégias e das instituições se dissolve em favor de um reconhecimento da sua inter-relação.
No decorrer da interação, a comunicação de sentido não tem de fato lugar separadamente do modo como as relações de poder funcionam, ou fora do contexto das sanções normativas.
Não existem práticas sociais que possam ser expressas ou explicadas nos termos de uma única regra ou de um único tipo de recurso. Pelo contrário, as práticas encontram-se localizadas no interior de conjuntos entrecruzados de regras e recursos que, em última instância, revelam aspectos da totalidade.
GIDDENS, Anthony [1979]. Dualidade da estrutura: agência e estrutura. Oeiras: Celta Editora, 2000.