Discurso Meritocrático
A crença fundamental do economicismo é a percepção da sociedade como sendo composta por um conjunto de agentes racionais que calculam suas chances relativas na luta social por recursos escassos, com as mesmas disposições de comportamento e as mesmas capacidades de disciplina, autocontrole e autorresponsabilidade.
Nessa visão distorcida do mundo, o marginalizado social é percebido como se fosse alguém com as mesmas capacidades e disposições de comportamento do indivíduo da classe média.
Por conta disso, o miserável e sua miséria são sempre percebidos como contingentes e fortuitos, um mero acaso do destino, sendo a sua situação de absoluta privação facilmente reversível, bastando para isso uma ajuda passageira e tópica do Estado para que ele possa “andar com as próprias pernas”. Essa é a lógica, por exemplo, de todas as políticas assistenciais entre nós.
É esse mesmo raciocínio economicista, que abstrai sistematicamente os indivíduos de seu contexto social, que também transforma a escola, pensada abstratamente e fora de seu contexto, em remédio para todos os males de nossa desigualdade.
Na realidade, a escola, pensada isoladamente e em abstrato, vai apenas legitimar, com o “carimbo do Estado” e anuência de toda a sociedade, todo o processo social opaco de produção de indivíduos “nascidos para o sucesso”, de um lado, e dos indivíduos “nascidos para o fracasso”, de outro.
Afinal, o processo de competição social não começa na escola, como sugere o economicismo, mas já está, em grande parte, pré-decidido na socialização familiar pré-escolar produzida por “culturas de classe” distintas.
A legitimação do mundo moderno como mundo “justo” está fundamentada na “meritocracia”, ou seja, na crença de que superamos as barreiras de sangue e nascimento das sociedades pré-modernas e que hoje só se leva em conta o “desempenho diferencial” dos indivíduos.
Afinal, se alguém é 50 vezes mais produtivo e esforçado que outro, nada mais “natural” e “justo” que também tenha uma renda 50 vezes maior e 50 vezes mais prestígio e reconhecimento.
O mercado “diz”, ainda que não tenha boca: eu sou “justo”, porque dou a remuneração “justa”, verdadeiramente equivalente ao desempenho. O Estado também “diz” o mesmo: eu faço concursos públicos abertos para todos, e o melhor deve vencer. Nada mais “justo” do que isso.
O que o mercado, o Estado e o senso comum dominantes — mas dominados por uma perspectiva conservadora, acrítica e quantitativa — nunca “dizem” é que existem precondições “sociais” para o sucesso supostamente “individual”.
O que todos escondem é que não existe o “talento inato”, o mérito “individual” independentemente do “bilhete premiado” de ter nascido na família certa, ou melhor, na classe social certa.
O indivíduo privilegiado por um aparente “talento inato” é, na verdade, produto de capacidades e habilidades transmitidas de pais para filhos por mecanismos de identificação afetiva por meio de exemplos cotidianos, assegurando a reprodução de privilégios de classe indefinidamente no tempo.
O que vai ser chamado de “mérito individual” mais tarde e legitimar todo tipo de privilégio não é um milagre que “cai do céu”, mas é produzido por heranças familiares afetivas de “culturas de classe” distintas.
Ao invés da oposição clássica entre trabalhadores e burgueses, o que temos aqui, numa sociedade perifericamente moderna como a brasileira, como nosso “conflito central”, tanto social quanto político e que subordina em importância todos os demais, é a oposição entre uma classe excluída de todas as oportunidades materiais e simbólicas de reconhecimento social e as demais classes sociais que são, ainda que diferencialmente, incluídas.
SOUZA, Jessé. A ralé brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.
Enem 2015a - 02
a) domínio das línguas universaliza o conhecimento.
b) divergência é um privilégio de indivíduos excepcionais.
c) educação formal determina o conhecimento do idioma.
d) submissão ao grupo manipula o conhecimento do mundo.
e) conhecimento sobre a realidade é condicionado socialmente.
e) conhecimento sobre a realidade é condicionado socialmente.
Enem 2015b - 06
a) essa ideologia equipara a nação a outros países modernos.
b) esse modelo de democracia foi possibilitado pela miscigenação.
c) essa peculiaridade nacional garantiu mobilidade social aos negros.
d) essa dinâmica política depende da participação ativa de todas as etnias.
e) esse mito camuflou formas de exclusão em relação à população negra.
e) esse mito camuflou formas de exclusão em relação à população negra.
Enem 2014a - 45
a) dispersão regional do poder econômico.
b) polarização acentuada da disputa partidária.
c) orientação radical dos movimentos populares.
d) condução eficiente das ações administrativas.
e) sustentação ideológica das desigualdades existentes.
e) sustentação ideológica das desigualdades existentes.